A indisciplina orçamental alemã

10 meses atrás 47

"A natureza humana permite opinar com maior liberdade sobre as dívidas alheias, razão pela qual não é prudente transformar opiniões em normas da Constituição do opinador".

A República Federal da Alemanha vive tempos difíceis: a realidade (inflação, aumento das  taxas de juro) insiste em desafiar a ideologia (a dívida pública e a inflação como anátemas, em memória da República de Weimar e do custo da reunificação). Neste cruzamento apertado a classe política acaba de colidir com a norma travão da dívida pública (Schuldenbremse), inserida na Constituição depois da crise financeira de 2008. 197 Deputados da CDU/CSU requereram ao Tribunal Constitucional a fiscalização do segundo rectificativo ao orçamento de 2021, alegando a violação de algumas regras básicas da Constituição financeira. O segundo rectificativo transferia para o orçamento de 2023 uma autorização de emissão de dívida pública no valor de 60 000 milhões de euros, autorização concedida no período da pandemia ao abrigo da cláusula de emergência orçamental prevista no nº 2 do artigo 115º da Constituição. Como o valor não foi gasto durante o período pandémico iria agora alimentar o Fundo para a Energia e Clima, entretanto rebaptizado como Fundo para a Transformação e Clima, servindo para financiar os consumos energéticos das famílias e das empresas, quer os consumos de energia fóssil, quer a transição para as energias renováveis.

            A 15 de Novembro o Segundo Senado do Tribunal Constitucional considerou o segundo rectificativo como não tendo fundamento na cláusula de emergência (pelo que não poderia aumentar a dívida pública), violando o princípio da anualidade orçamental (ao transferir uma alteração ao orçamento de 2021 para o ano de 2023) e, preciosismo teutónico, infringindo o princípio da precedência da previsão orçamental (Vorherigkeitsgebot) na medida que a modificação do orçamento de 2021 foi feita depois de findo o ano de 2021.

            Conclusão prática da decisão: o Governo da coligação semáforo (SPD, Verdes e Liberais) ficou instantaneamente com um défice adicional de 60 000 milhões de euros no início do Inverno, quando famílias e empresas contavam com a subsidiação dos consumos de energia. Os Liberais são visceralmente contra o aumento de impostos e também não gostam de aumentar a dívida pública. Os Verdes querem manter a subsidiação das energias renováveis (mais caras do que as fósseis e do que a nuclear). O SPD tem de defender a despesa pública com as medidas de apoio social e, se possível, aumentá-las agora que também a economia arrefece.

            Pelo quarto ano consecutivo, desde 2020, e agora sem o pretexto da pandemia, o Governo   suspendeu a aplicação da norma travão da dívida pública e apresentou um rectificativo ao orçamento para 2023, com uma aumento da dívida no valor de 43 200 milhões de euros e cortes orçamentais no montante de 15 100 milhões. A negociação do orçamento para 2024 adivinha-se ainda mais dolorosa.

            A par deste drama nacional decorrem em Bruxelas as negociações para a revisão das regras de disciplina orçamental na União Europeia com o propósito de focar o défice na despesa primária (aquela que cada Governo está em condições de controlar), adicionando uma almofada de segurança em torno do limite de 3% para o défice, compensada por planos de recuperação de défice e de dívida a 4 e a 7 anos, com a possibilidade de a Comissão Europeia aplicar “sanções” aos incumpridores que se traduzam em reduções imperativas de défice e de dívida. Os Estados-membros não chegaram ainda a acordo e aposto que nem os alemães quererão colocar nas mãos da Comissão Europeia o referido chicote orçamental.

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