Avanços científicos de 2023: um podcast especial com vista para o futuro

8 meses atrás 92

O Futuro do Futuro

Bruno Soares Gonçalves, presidente do IPFN, Claudio Sunkel, presidente do I3S, e João Crespo, presidente do ITQB, fecham o ano no Futuro do Futuro com um balanço dos principais avanços científicos de 2023. Uma conversa que passa pelo estudo do genoma de humanos e vegetais, e evolui com a fusão nuclear e alternativas à petroquímica, sem deixar de abordar as novas terapias para o cancro ou a descodificação das funções executadas pelo cérebro. No final, nem todos estiveram de acordo. E ainda bem.

O que fazem três cientistas num estúdio? Prevêem o futuro da ciência a partir de uma pequena viagem ao passado. Neste episódio do podcast O Futuro do Futuro contamos com um apanhado das principais inovações científicas de 2023. Bruno Soares Gonçalves, presidente do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear (IPFN), Claudio Sunkel, presidente do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (I3S) e João Crespo, presidente do Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier, da Universidade Nova de Lisboa (ITQB), aceitaram o repto e escolheram algumas das principais inovações do ano sem deixar de fazer uma análise crítica das tendências que poderão vir a marcar o futuro da humanidade.

Se as previsões dos três convidados do Futuro do Futuro se cumprirem, possivelmente já não deverão tardar muito a chegar as tecnologias que permitem descodificar o cérebro humano ou que determinam o estágio de desenvolvimento de cada célula de um cancro, em paralelo com sensores que permitem conhecer o estado de saúde de plantas que crescem com um genoma aperfeiçoado para resistirem à seca ou garantirem mais nutrientes para a humanidade.

Bruno Gonçalves, de telemóvel na mão, regista para a posteridade o episódio do Futuro do Futuro que contou igualmente com a participação de Claudio Sunkel e João Crespo

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Eventualmente, muitas dessas tecnologias poderão funcionar com base na energia que vem da fusão nuclear e terão sido produzidas a partir de uma indústria que já não tem por base o petróleo, porque idealmente já poderão existir micro-organismos que podem ajudar a produzir diferentes matérias-primas.

Bruno Soares Gonçalves destacou como feito científico do ano o projeto que permitiu que uma pessoa com uma lesão na espinal medula pudesse recuperar a capacidade de andar, com sensores que descodificam a atividade neuronal para enviar instruções aos membros que se encontravam paralisados.

“Houve vários avanços no sentido de ligar células de córtex cerebral a dispositivos eletrónicos que vão precisamente conseguir não só melhorar a qualidade de vida, mas também beneficiar a nossa capacidade de processamento natural que o cérebro tem para conseguir fazer avanços significativos, inclusive usando e aliando-se à inteligência artificial”, referiu o presidente do IPFN no Futuro do Futuro.

Bruno Soares Gonçalves destacou também o mapeamento das sinapses dos vários neurónios de larvas de mosca da fruta, enquanto Claudio Sunkel deu relevo aos projetos que já permitem dar pistas sobre sentimentos e pensamentos que passam pelo cérebro de uma pessoa através de ressonâncias magnéticas.

Claudio Sunkel, presidente do I3S, aponta para o estudo individualizado do genoma das células como um caminho a seguir para a medicina personalizada

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O presidente do I3S lembra que esta segunda linha de investigação pode revelar-se especialmente útil para “quem não consegue expressar-se através da fala” passar a comunicar “utilizando as imagens do cérebro, que permitem construir frases que têm sentido, que reconstroem pensamentos que o indivíduo está a ter”.

Será o fim da intimidade e da privacidade como as conhecemos? A questão surgiu a meio do episódio, e possivelmente haverá de voltar a colocar-se nos tempos mais próximos – tal como a necessidade de alimentar um população mundial cada vez mais crescente. E é esta problemática que levou João Crespo a dar destaque para um projeto levado a cabo dentro do ITQB que tem em vista o uso de micro-organismos para fertilizar terrenos agrícolas, e a uma segunda iniciativa, desenvolvida além-fronteiras, que prevê a alteração pontual do genoma de plantas para garantir as características necessárias para sobreviverem no meio ambiente.

“Alteramos exatamente onde queremos, como se fosse uma mutação natural, mas neste caso é dirigida. E estas implicações podem ser brutais. Pode alterar muita coisa, por exemplo, pode alterar a resistência à seca, pode permitir, por exemplo, que a floração da planta ocorra a temperaturas elevadas que normalmente poderia não ocorrer, pode por exemplo permitir que tenha maior resistência à presença de metais pesados”, refere o presidente do ITQB, sem deixar de apontar diferenças nesta técnica face à produção de vegetais transgénicos.

João Crespo e Bruno Soares Gonçalves sublinharam a importância da sustentabilidade, no podcast Futuro do Futuro. O presidente do ITQB deu destaque aos projetos que visam alternativas à petroquímica, enquanto o presidente do IPFN deu a conhecer tecnologias que decompõem plásticos para obtenção de carbono e hidrogénio

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De célula a célula se conhece um corpo – e é esse mote que levou ao mapeamento do genoma humano a partir de 700 pessoas de geografias e etnias diferentes, e é também a base o estudo do genoma de células de forma individualizada, que pode abrir caminho a novas técnicas de medicina personalizada que visam combater o cancro.

“Pensava-se que um tumor tinha todas as células mais ou menos iguais, mas há grupos diferentes. E há grupos de células que estão a fazer coisas diferentes”, acrescenta Claudio Sunkel.

Uma coisa é certa: Sem energia, não há indústria como a conhecemos. Apesar da polémica quase garantida, Bruno Soares Gonçalves destaca o potencial revelado pelos mais recentes avanços da fusão nuclear que chegam dos EUA como uma tendência a acompanhar nos tempos mais próximos, mas há mais outra problemática que a ciência terá de sanar em nome da sustentabilidade: a dependência dos combustíveis fósseis e de toda a maquinaria que compõe a petroquímica.

“Os blocos de construção de toda a química têm uma origem petroquímica. Portanto, se nós quisermos, de facto, deixar de utilizar fontes de energia fósseis, vamos ter que repensar a forma como fazemos toda a química”, avisa João Crespo. “O que vamos ter que fazer é pensar como é que podemos, a partir de uma fonte diferente - eventualmente a biomassa - e utilizando, claro, mecanismos biológicos, conseguir substituir toda esta química”, acrescenta o presidente do ITQB.

Nesta conversa com a sustentabilidade em pano de fundo, não faltaram menções aos plasmas, que podem ter um papel determinante na decomposição de plásticos para a obtenção de carbono e hidrogénio, ao grafeno, que tanto serve para a extração de hidrogénio como tem propriedades antimicrobianas, como ainda se vislumbra um futuro próximo para algumas unidades de investigação que estão em vias de serem instaladas no concelho de Oeiras.

É possivel que nem todas estas previsões acabem por bater certo – mas essa é também uma razão acrescida para ouvir o último episódio do Futuro do Futuro de 2023 – e esperar por uma futura edição especial para confirmar como é que o mundo avançou entretanto.

Hugo Séneca conversa com mentes brilhantes de diversas áreas sobre o admirável mundo novo que a tecnologia nos reserva. Uma janela aberta para as grandes inovações destes e dos próximos tempos

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