‘Boxing Day’

8 meses atrás 79

Dia 26 de Dezembro, feriado em Inglaterra, no País de Gales e na Irlanda desde 1871, e agora também na Escócia, é o dia das esmolas, chamar-lhe-íamos. Quanto à sua origem as opiniões dividem-se. Ou remonta à Idade Média, ao dia de Santo Estevão (São Estevão não me repugna, embora contrarie as regras), este dia, em que se celebrava a memória do primeiro mártir cristão na Antiguidade, Estevão, ou era o “dia das caixas”, fosse de caixas apostas ao exterior das igrejas victorianas para que se deixassem esmolas para os pobres, fosse das caixas feitas em casa, neste dia feriado, para os parentes pobres contendo sobras do peru do dia 25 e de doces mais umas roupas e possivelmente um envelope com dinheiro.

Os criados destas casas ricas levavam em mão e debaixo de frio estes “presentes” a casa dos primos pobres, que ficavam muito reconhecidos. Por outro lado, os clerks, empregados de escritório (V. Charles Dickens, A Christmas Carol), muitas vezes não tinham autorização dos seus patrões para terem o dia de Natal e então sendo o Boxing Day (o Dia das Caixas) feriado oficial por Graça de Sua Majestade, aí podiam ficar, nesta quadra, com a família um dia, para além dos Domingos. E viva a Democracia mais velha do Mundo! Ah, e se o dia 26 caísse num Domingo, o feriado passava para a Segunda, God Save Queen Victoria and Her Successors!

Ainda nos anos 70 em Portugal, já depois do 25 de Abril, ouvi em Lisboa uma mãe ao referir-se a uma filha que trabalhava nos escritórios de uma grande e conhecida empresa dizer: “o patrão da minha filha deu-lhe o sábado à tarde e agora parece que vai dar o sábado inteiro, é muito boa pessoa!”

O meu avô era pela reforma das mentalidades em primeiro lugar. Ele (Raul Proença) percebeu que mudanças de governo trocavam homens com os mesmos defeitos em nome de ideais diferentes mas sabia que os ideais requerem uma luta contra os defeitos em primeiro lugar. A sua filosofia idealista por uma democracia esclarecida levou-o ao exílio em 1927 com a família e depois à doença. Uma democracia esclarecida e não um governo de limpeza em nome de defeito dos outros, apresentando um programa sebastianista com prenúncio de ditadura ou seu primo, em união com frentes francesas, italianas ou venham elas de onde vierem.

É muito difícil proceder a uma mudança para melhor tendo em conta o que apresentámos porque, de facto, é necessária uma reforma de mentalidade e das mentalidades. Falando do ensino, este não a proporciona. Curiosamente, os programas escolares anteriores ao 25 de Abril, já aqui referido hoje, tinham uma dualidade que era propositada sem dúvida uma vez que procuravam estabelecer uma divisão cultural profunda entre dois extractos sociais.

Desde a escola primária, porque oficialmente universal, em que os programas eram nacionalistas e ridículos, destinados aos oriundos das classes mais pobres, que os tomavam como dogmas, até aos programas liceais e universitários mais universalistas e que abriam horizontes, esta dualidade permitiu aos filhos das classes mais cultas criticar, já por terem a ferramenta, o regime em que viviam.

Chegados à actualidade, e não só em Portugal mas no mundo ocidental, aquele que nos é dado conhecer por dentro, objecto do nosso estudo, vemos que a mudança para melhor é realmente difícil, senão, infelizmente, impossível porque os programas académicos agora não levam à crítica, são amorfos, exaltantes de pipocas, de filmes de bonecos e de armas de defesa (ataque?), do estudo orientado para a informática, engenharia mecânica e para tudo aquilo em que o sentido crítico esteja ausente.

Posto isto, constatamos que existe também uma dialéctica, o que não é surpreendente, entre as ditaduras e a sua autodestruição pela dicotomia nacionalismo/universalismo e os regimes amorfos, que não são mais do que o poder total sobre as consciências.

Teoricamente, o que significa com toda a possibilidade virtual, um mundo melhor é possível. Para tal, é preciso saber falar, i.e., conhecer o teor das palavras e é preciso escapar ao amorfismo pela recuperação das nossas consciências.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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