Boxing Day: a história

8 meses atrás 75

«Good king Wenceslas looked out
On the feast of Stephen
When the snow lay 'round about
Deep and crisp and even (...)» (1)

O amante do futebol, seja ele português, espanhol ou chinês, por culpa da liga inglesa, já ouviu falar do Boxing Day. E terá por certo uma opinião fundada sobre se no seu país também se devia jogar uma jornada de Boxing Day ou não... Em Portugal, a discussão repete-se todos os anos, algumas vezes chegando até às páginas dos jornais, com dirigentes, como em tempos o sportinguista Soares Franco, a defenderem a realização de uma versão portuguesa do Boxing Day.

O exemplo inglês demora a fazer escola fora do mundo anglo-saxónico, mas a verdade é que há muito conquistou o imaginário dos adeptos do futebol nos quatro cantos do mundo, que olham para Inglaterra e o seu futebol com admiração, espantados com aqueles estádios repletos com multidões felizes a cada 26 de dezembro. Mas afinal de contas, o que vem a ser o Boxing Day?

As possíveis origens

A melhor pista para encontrar as origens do Boxing Day pode ser encontrada na letra do cântico de Natal «O Bom Rei Venceslau», um cântico surgido em Inglaterra no século XIX. De acordo com o cântico, o Rei Venceslau (2), que no século X era o Duque da Boémia (3), andava a cavalgar pela sua terra no dia de São Estevão - 26 de dezembro - quando encontrou um homem pobre, a recolher lenha no meio de uma tempestade de neve. 

Estátua do Rei Venceslau I, na Praça Venceslau [ch: Václavské náměstí], em Praga. Cidade onde se encontra sepultado, na Catedral de São Vito.

Tocado pela cena que os seus olhos acabavam de presenciar, o Bom Rei recolheu bens, comida e vinho, e carregou-os, pessoalmente debaixo de um enorme nevão até à casa do camponês, que agradecido, lhe louvou a caridade e bondade. O Bom Rei, amado pelo seu povo, pela sua bondade e sentido de justiça, começou, sem imaginar, uma tradição de ajudar os mais desafortunados a 26 de dezembro...

Várias tradições inglesas

A tradição de caridosamente ajudar as almas, está associada as grandes celebrações festivas, desde os primórdios do cristianismo. No mundo ocidental, há séculos que o Natal é uma época devotada à caridade e à ajuda dos mais desafortunados. À tradição de trocas de presentes, somou-se a distribuição de víveres e dádivas. 

Tal como na história de Venceslau, em Inglaterra, a tradição há muito que ditava que o dia 26 de dezembro era votado à caridade, e à ajuda dos mais pobres. É certo que não foi o Rei Venceslau que começou a tradição, mas a sua história sempre foi recordada, e em 1853, em plena era vitoriana, John Mason Neale, escreveu uma letra para uma velha melodia, nascendo assim o cântico de Natal «O Bom Rei Venceslau».

E em Inglaterra, onde havia um culto do Santo Rei Venceslau, a Igreja de Inglaterra começou a impulsionar aquilo que viria a ser o Boxing Day. Durante o advento, as igrejas por toda a Inglaterra, colocavam pequenas caixas nas entradas, onde os paroquianos podiam colocar as suas doações. No dia seguinte ao Natal, as caixas eram partidas, e o seu recheio era distribuído pelos pobres. Daí o termo Boxing Day, o dia em que se abriam as caixas...

Good King Wenceslas numa lata de biscoitos de uma marca inglesa, 1913.

Talvez essa fosse a explicação para o termo, mas há quem defenda que a sua origem remonta ao hábito que a aristocracia inglesa tinha, de distribuir presentes (caixas) aos seus servos e criados, dando azo a uma tradição de um segundo Natal, que passava a ser conhecido como Boxing Day. Outras teorias recordam que no dia a seguir ao Natal, os servos e criados tinham autorização para visitar as famílias, levando consigo caixas com presentes e restos das celebrações dos patrões.

Samuel Pepys, na sua entrada de 19 de dezembro de 1663 do seu famoso diário, faz referência às Caixas de Natal que os mercadores e lojistas só abriam a seguir à festa, recordando também a existência das Caixas de Natal em que os rapazes pediam uma ajuda extra para as suas famílias.

Os nossos dias

Mais teorias existem, e nenhuma por certo será a versão definitiva da história. Provavelmente nenhuma será a versão correta da história. O que é certo é que nos nossos dias, no Reino Unido e outros países anglo-saxónicos como a Irlanda, o Canadá, a Austrália, Nova Zelândia e África do Sul, o dia a seguir ao natal é feriado, e é dedicado por norma a grandes promoções no comércio, originando enchentes nos principais centros comerciais e artérias destinadas ao comércio tradicional.

Além do comércio, o Boxing Day tornou-se na segunda metade do século XX, um dia devotado ao desporto. Um pouco por todo o mundo anglo-saxónico, disputam-se test matches de râguebi, jogos de hóquei em gelo, caçadas à raposa, corridas de cavalo e muitos jogos de futebol. 

Adeptos de futebol ingleses, vestidos a rigor, celebram mais um Boxing Day.

Nas Ilhas Britânicas, o futebol é rei por estes dias, com a Premier League, assim como a Liga da Escócia e a Liga Irlandesa, e os restantes escalões inferiores, a marcarem uma jornada para este dia, com transmissões televisivas que batem recordes e estádios lotados. Para facilitar as enchentes, e de acordo com o espírito natalício, os jogos da jornada costumam envolver equipas da mesma região, para não obrigar os adeptos a fazerem grandes viagens durante as festas.

Para os amantes do beautiful game, o Boxing Day é uma bênção... no dia seguinte ao Natal, os campos enchem-se com adeptos vestidos a rigor com barretes de Pai Natal, usando as prendas que receberam na véspera, muita das vezes a nova camisola da sua equipa favorita. 

Ciente da dimensão e do sucesso do dia, e mesmo que a realização de jogos a 26 já fosse uma tradição anterior à sua existência, a Premier League, trabalhou nos últimos anos para criar o culto da jornada do Boxing Day, exportando o conceito para outros países, onde muitos adeptos já pedem a realização de uma versão local do evento. 

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(1) - O Bom Rei Venceslau olhou a ver o que via No dia da festa de Santo Estevão Quando o nevão com força caía E um manto cobria de branco o chão.

(2) - Venceslau I (em checo: Václav) (907-935) foi duque da Boémia desde 921 até à data da sua morte, quando foi cobardemente assassinado a mando do seu irmão, que lhe sucedeu no trono. É venerado como Santo pela Igreja Católica que o considerou um mártir e um santo, logo após a sua morte. Rapidamente nasceu um culto a São Venceslau na Boémia que se alastrou pela Europa, chegando à então distante Inglaterra. São Venceslau, Rei da Boémia, Mártir, é o santo padroeiro da República Checa. 

(3) - A Boémia era um estado situado no território do que nos nossos dias é a República Checa. 

The best clue to Boxing Day's origins can be found in the song "Good King Wenceslas." According to the Christmas carol, Wenceslas, who was Duke of Bohemia in the early 10th century, was surveying his land on St. Stephen's Day — Dec. 26 — when he saw a poor man gathering wood in the middle of a snowstorm. Moved, the King gathered up surplus food and wine and carried them through the blizzard to the peasant's door. The alms-giving tradition has always been closely associated with the Christmas season — hence the canned-food drives and Salvation Army Santas that pepper our neighborhoods during the winter — but King Wenceslas' good deed came the day after Christmas, when the English poor received most of their charity.

King Wenceslas didn't start Boxing Day, but the Church of England might have. During Advent, Anglican parishes displayed a box into which churchgoers put their monetary donations. On the day after Christmas, the boxes were broken open and their contents distributed among the poor, thus giving rise to the term Boxing Day. Maybe.

But wait: there's another possible story about the holiday's origin. The day after Christmas was also the traditional day on which the aristocracy distributed presents (boxes) to servants and employees — a sort of institutionalized Christmas-bonus party. The servants returned home, opened their boxes and had a second Christmas on what became known as Boxing Day.

So which version is correct? Well, both. Or neither. No one, it seems, is really sure

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