Christine Boisson. A musa do cinema erótico

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1956-2024. La femme fatale.

Nunca se achou bonita. Em 2007, numa entrevista ao programa Vie Privée Vie Publique, do canal France 2, explicou que estava a aprender a gostar daquilo que via no espelho. Era tímida e o seu olhar parecia revelar alguma tristeza. No entanto, é unânime que marcou uma geração e é difícil encontrar alguém que não a tenha achado uma mulher sublime cujo trabalho fez bater o coração de muitos.  Uma atriz «deslumbrante», segundo vários críticos, com «uma sensualidade calorosa e de voz rouca». Dizia que era sistemático apaixonar-se por homens loiros de olhos azuis, mas não queria ser um clichê de forma nenhuma. Segundo a sua filha, as pessoas nem sempre se davam bem com ela, porque era «intensa demais». Aliás, nas entrevistas vemos a forma direta como responde às questões e é possível perceber como, muitas vezes, se sentia incomodada quando a sexualizavam. Em português, o seu apelido significa ‘bebida’. Na escola, gozavam com ela. No entanto, nunca quis mudar de nome. «É um nome simples, fácil de reter», explicou em 2000, numa entrevista no programa Tout le monde en Parle, apresentado por Thierry Ardisson.

A atriz francesa Christine Boisson morreu em Paris no dia 21 de outubro, aos 68 anos. Segundo a sua filha, Juliette Kowski, a artista enfrentava problemas de saúde relacionados a uma doença pulmonar e estava internada numa casa de repouso no momento do seu falecimento. «Ela juntou-se às estrelas e gostaria que ela fosse lembrada com graça, porque era uma atriz graciosa», disse à AFP.

Uma atriz rotulada

Boisson nasceu em Salon-de-Provence no dia 8 de abril de 1956. A sua mãe era francesa e o seu pai era das ilhas do Caribe. Viveu em Marraquexe até aos nove anos, altura em que os seus pais se mudaram de novo para França.

A atriz alcançou grande notoriedade no papel de Marie-Ange, no filme erótico Emmanuelle, realizado por Just Jaeckin e protagonizado por Sylvia Kristel, papel para o qual foi escolhida quando ainda era menor de idade. A longa-metragem foi baseada num romance com o mesmo nome sobre as aventuras amorosas de uma jovem francesa bastante atrevida na sociedade de Banguecoque. Marie-Ange é uma rapariga que conhece a personagem principal, Emmanuelle, enquanto está na capital da Tailândia. O filme, lançado em 1974,  tornou-se rapidamente num sucesso de bilheteira em França, e vários remakes foram lançados desde então. O mais recente em 2024.  A jovem foi descoberta quando começou a fazer trabalhos como modelo para pagar aulas de representação. Em 1973, ingressou na agência de modelos de Catherine Harlé. Tinha apenas 15 anos.

Apesar do grande sucesso da produção, Christine admitiu várias vezes que essa personagem a assombrou e rotulou. Não foi preciso muito tempo para se arrepender do papel. «O filme foi muito agressivo para mim. Tinha apenas 15 anos e nem sabia o que era o erotismo. Sabia que era ‘bonitinha’, mas não sabia sequer o que era ser ‘sensual’», admitiu na entrevista a Thierry Ardisson. Durante a década de 70 ainda aceitou papéis parecidos, mas os anos seguintes foram passados a tentar afastar-se dessa imagem.

Matriculou-se depois no Conservatório de Arte Dramática de Paris para se dedicar ao teatro. «Inscrevi-me no conservatório para provar a mim mesma que eu era mais do que uma imagem», contou na entrevista ao programa Vie Privée Vie Publique. Lá ficou três anos e depois decidiu ter aulas na Oficina Internacional de Teatro, com Blanche Salant.

Segundo o Le Figaro, em 1980 voltou ao cinema ao lado de Gérard Lanvin em Extérieur nuit de Jacques Bral. Atraída por longas-metragens obscuras e confidenciais, protagonizou ainda o filme Identificação de uma Mulher, em 1981, e Os Selvagens da Rua, em 1983, o que lhe permitiu ganhar o Prémio Romy Schneider, em 1984 – um prémio que reconhece o talento de jovens atrizes em França. A maioria dos filmes em que participou foram em francês. No entanto, acabou por se estender ocasionalmente para filmes em inglês. Em 2002, interpretou a comandante Dominique no thriller de Jonathan Demme, A verdade sobre Charlie, ao lado de Mark Wahlberg, Thandiwe Newton e Tim Robbins. Além do seu trabalho no cinema, Boisson também se destacou em várias produções teatrais.

Uma infância traumática

Aos 54 anos, Christine Boisson tentou saltar de um apartamento no quinto andar em Paris. A polícia interveio e a atriz foi internada. A artista revelou depois que foi vítima de «incesto materno» – prática de abuso sexual intrafamiliar cometida por mães e madrastas contra seus filhos e enteados –,que acabou por ter repercussões nos seus comportamentos em adulta. À revista francesa Gala, explicou que havia ameaçado cometer suicídio durante uma discussão com o seu parceiro da época, mas nunca teve a intenção de se matar. Na verdade, era um truque que aprendeu com a sua mãe «abusiva» e que não estava orgulhosa do incidente. «Eu estava firmemente presa ao parapeito, sabia o que estava a fazer, mas nunca tive a intenção ou o desejo de morrer», afirmou. «Não estou orgulhosa das minhas ações, mas se cheguei a este ponto é porque a minha mãe passava o tempo a chantagear-me para que cometesse suicídio», admitiu. Segundo a artista, a mãe era doente e chegou a dizer-lhe que quase morreu ao dar à luz, passando-lhe sentimentos de culpa. «Hoje ela sofre de degeneração senil com ataques paranoicos agudos que a tornam perigosa para si mesma e para os outros. Acredito que ela sempre carregou esta doença dentro de si», confidenciou em 2013.

No final de 2023, Christine esteve envolvida numa polémica depois de, juntamente com outros atores como Nathalie Baye, Pierre Richard, Benoît Poelvoorde, Carla Bruni, Jacques Dutronc e Emmanuelle Seigner, ter defendido o ator e colega Gérard Depardieu numa coluna no jornal francês Le Figaro. Recorde-se que o artista enfrenta um julgamento por alegadas agressões sexuais a duas mulheres.

Durante a sua carreira de mais de quatro décadas, a atriz participou em 50 filmes. Em 2013, sobre a morte, disse: «Se tiver aproveitado bem a vida, feito aquilo que queria, acho que vou partir tranquila»

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