CRÓNICA | A 15ª vez do amante blanco

3 meses atrás 87

O Real Madrid é o amante libidinoso das noites europeias. A Champions pode ter outros namorados, piscar o olho a pretendentes sérios, mas na hora e lugares certos lá está ela nos braços blancos

A 15º versão gloriosa da história teve Wembley como palco e o Borussia Dortmund a fazer o papel do galanteador traído. 

É impressionante a frieza competitiva dos homens de Carlo Ancelotti - como foi antes com Zinedine Zidane ou, mais para trás, até com Jupp Heynckes. Esmurrados através de golpes e contragolpes, uma bola ao poste e outras ameaças, o Real recompôs-se ao intervalo, equilibrou-se atrás e serviu a vingança já na segunda metade do segundo tempo. 

Para tornar o absurdo ainda mais esdrúxulo, o Real marcou primeiro num pontapé de canto por... Dani Carvajal. O baixinho (173 centímetros) saltou no meio das torres germânicas e fez de cabeça o 1-0. A perturbação pelo imprevisto afetou o Borussia, que tanto e tão bem jogou durante grande parte do jogo. 

Partido o jogo, já na fase da esquizofrenia, Vinícius Jr. fez o segundo blanco e o excelente Niclas Fullkrug, um bomber à boa moda de Klinsmann, Voller ou Bierhoff, já só conseguiu o tento de honra para diminuir a ferida amarela. 

A forma como o Real Madrid ama esta competição é única e enigmática. Ninguém a percebe, tirando aqueles que a amam vestidos de blanco na bancada. 

Preto e Amarelo até ao intervalo

Carlo lá sabe o que faz. Desenha a máquina competitiva numa fábrica artesanal, com segredos só dele e uma receita familiar. Apesar de até ter mais bola, o Real sofreu, sofreu e sofreu, só para bater no peito ainda mais alto e ainda mais forte. Para que não haja dúvidas, o Borussia do primeiro tempo foi fantástico e teve tudo, menos o golo. 

Karim Adeyemi perturbou vezes sem conta pela esquerda, Julian Brandt ainda tem muito futebol e o já citado Fullkrug é uma carraça das mais teimosas. Falta acrescentar o nome do extraordinário Mats Hummels a esta shortlist. Aos 35 anos, e excluído do próximo Europeu (tal como Adeyemi e Brandt, de resto), o central deu uma lição de inteligência e saber estar. Cortes em esforço sobre adversários mais rápidos e mais jovens, passes verticais com a certeza de um ponteiro helvético, frescura e saber. 

Lá pelo meio, o árbitro esloveno não viu um penálti aparentemente claro de Mendy sobre Adeyemi, mas a verdade é que o Real Madrid sobreviveu para contar e mais tarde soube contar a história escrita na primeira pessoa.

O blanco não engana

O Real Madrid não sabe perder finais europeias. Se algum dia soube, provavelmente já esqueceu essa lição desinteressante. A última derrota num jogo com essas características já tem 41 anos. A 11 de maio de 1983, o underdog Aberdeen, treinado por um tal Alex Ferguson, ganhou por 2-1 no jogo decisivo da Taça das Taças. Depois, tudo blanco

É provável que essa herança ecoe no balneário, época após época. Explicar esta superioridade só através do futebol é um exercício fútil, até contraditório, pois o futebol, o don futbol, até apontou na direção contrária durante 60 minutos em Wembley. 

O Real Madrid raras vezes incomodou o guarda-redes Kobel, até ao instante em que o anão Dani Carvajal correu de trás para a frente e cabeceou antes de Fullkrug. Como explicar o inverosímil? 

O golo, naturalmente, perturbou o Borussia. Desde 1997 à espera da glória europeia (por onde andará Lars Ricken?), os de Dortmund ficaram sem saber o que fazer nesse momento. Terão imaginado a derrocada a esmagar o triunfo, talvez com o odor a medo já no relvado. Decidiram arriscar ainda mais e o Real foi implacável. 

Aí, já com mais espaço nas pistas centrais, os blancos puniram um erro de Ian Maatsen e lançaram o talento de Vinícius Jr., após um passe perfeito de Jude Bellingham, que até aí andara completamente desaparecido em combate. 

Falta falar de Carlo Ancelotti. O treinador italiano, amante da vida boa e das palestras doces, passou a somar sete Ligas dos Campeões: cinco como treinador e duas ainda como futebolista. É capaz de ajudar a explicar qualquer coisa também. 

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