Era médio na Distrital e, num ano, chegou à I Liga...como lateral: «Teve humildade, mas houve resistência»

3 semanas atrás 45

De 25 de junho de 2023 a 18 de agosto de 2024 vão cerca de 14 meses, pouco mais de um ano. Nesse curto espaço de tempo, a vida do jovem Pedro Carvalho, agora com 21 anos, deu uma volta de 180º e este passou de jogar na última divisão distrital, como médio, para agora ser lateral direito...na Primeira Liga.

Formado no Sporting, onde esteve entre 2012 e 2019, Pedro Carvalho foi médio toda a jovem vida de jogador da formação e foi como médio que se mudou para o Belenenses, em 2019/20, para finalizar essa fase da sua carreira e iniciar o seu tempo como sénior. Começou a destacar-se nas várias equipas secundárias do emblema histórico do Restelo e em 2022/23 brilhou na equipa B, na altura na 3ª divisão da AF Lisboa, com 29 jogos e nove golos, numa época em que dividiu o seu tempo entre o meio campo e a posição de extremo.

Os dados estavam lançados e houve muito interesse de equipas da liga Revelação, mas o jovem português ficou no Restelo e por lá mudou a carreira por completo, ao passar para lateral direito. 14 meses depois, mostrou-se uma boa aposta e, apesar de ter descido de divisão com o Belenenses na época passada, joga agora na Liga Portugal Betclic, ao serviço do Estoril Praia, onde até já foi titular (0-0, com o Gil Vicente).

Já foi titular pelo Estoril Praia @Estoril Praia

O zerozero esteve à conversa com Patrick Morais de Carvalho, presidente do Belenenses, que teve um importante papel nessa mudança de posição e deixa rasgados elogios ao antigo pupilo.

«O Pedro é um miúdo bem formado, muito focado, que estudava na faculdade - curso de gestão, no ISCTE -, enquanto jogava por nós. Fez agora um interregno, para apostar a sério no futebol. Fez a formação no Sporting, da geração 2003, sempre como médio centro. Quando subiu a sénior, mostrou-se um exemplo para a formação do Belenenses, porque soube esperar pela oportunidade e fez a aposta de ficar cá, na altura na Liga 3, sabendo que ia ser muito mais utilizado na equipa B, na altura no Distrital, na 3ª divisão», começa por contar o dirigente.

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E como surge a mudança de posição tão "drástica"? Afinal, é comum vermos extremos de formação a passarem a laterais, mas não é todos os dias que um jovem de 19/20 anos passa de médio centro a lateral direito.

«Quando sobe a sénior, recordo-me de várias conversas que tive com ele e o pai dele em que, há minha maneira, lhe tentava explicar que para chegar ao mais alto nível, tinha que ser como lateral direito e não como médio centro. Dizia-lhe que, para ser médio, podia fazer carreira, mas seria jogador do Campeonato de Portugal e Liga 3. Acho que é o melhor atleta, em termos físico-atléticos e disponibilidade física, a passar pela formação do Belenenses nos últimos anos, pelo menos desde que sou presidente. Mas para jogar no meio campo, e eu joguei no meio campo, ele desposicionava-se muitas vezes, precisamente por causa dessa disponibilidade. Na formação, ele conseguia, muitas vezes, fazer a diferença pela disponibilidade, mas ao mais alto nível é diferente, porque o adversário consegue explorar», começa por explicar Patrick.

Mudança de posição foi fundamental @Filipe Amorim / Kapta+

«Tendo em conta as características dele, parecia-me óbvio que podia ter um rendimento muito elevado como lateral direito. Ele tem uma capacidade muito grande de criar vantagem vindo de trás, faz isso com muita disponibilidade. É um lateral moderno. Não tendo escola de lateral, foi evoluindo, com muita observação, muito trabalho, colocação de apoios, quando é para sair na pressão e quando é para ficar na contenção. Algo fundamental para jogar ao mais alto nível como lateral. Ele joga a primeira vez como lateral direito como sénior», acrescenta.

De resto, Patrick Morais de Carvalho destaca a «humildade» e «mentalidade» de Pedro Carvalho neste processo, apesar da «resistência» inicial: «Lembro-me de um jogo em casa, no Restelo, contra o Paços de Ferreira, onde marcou o Cipenga, um dos extremos mais perigosos da Segunda Liga, e ele não conseguiu passar uma vez por ele. Aí, pensei que ele virou o chip. É uma questão de mentalização e não é fácil para um jovem daquela idade. Ele teve essa humildade, é muito focado, muito trabalhador. Chegar ao Estoril na Primeira Liga já é um marco, tendo em conta a idade dele, mas eu acho que é só o início. Tem tudo para fazer uma grande carreira. A partir de agora é também uma referência para a formação do Belenenses, porque todos os miúdos podem e devem seguir o exemplo dele.»

«Ele continuava a dizer que ia fazer carreira a médio»

Quem viveu de perto e ajudou nessa transição posicional foi Samuel Santos, jovem treinador, de apenas 27 anos, que está à frente da equipa B do Belenenses desde 2022. Foi o técnico luso quem começou a implementar, progressivamente, essa mudança de posição e explica-nos como foi o processo.

«Fez a formação toda como médio interior, um 8 com a capacidade de aparecer nas costas, fazer movimentos de rutura e que estava sempre a correr. Não era um médio tecnicista, mas sim de carregar a bola. Quando começou a vir à minha equipa [Belenenses B], estávamos na Distrital e apanhávamos equipas num bloco muito baixo, que não permitia que ele tivesse esse espaço para progredir e aproveitar as suas características. Inicialmente, jogava em 4x3x3 e ele era um dos interiores. A certa altura até estava frustrado porque não estava a conseguir ter o rendimento que achava que ia ter», começa por dizer.

qMiúdo muito disponível a nível mental, muito inteligente e tem grande disponibilidade física

Samuel Santos, treinador Belenenses B

«Foi difícil gerir no início, até que ele percebeu os benefícios de estar connosco na equipa B. Teve a humildade de perceber, mesmo estando na 3ª Distrital. Alterei o sistema para um 4x4x2, com apenas dois médios e dois extremos, que podiam jogar por fora e por dentro, e foi aí que o coloquei. Começou a ter rendimento, a perceber que tinha capacidade de desequilíbrio, com o tal vaivém, juntando a capacidade técnica. Ele a atacar era quase um ala, num 3x4x3, mas a defender já não era ele o lateral. Percebeu que o espaço dele não era tão à frente no campo, como extremo, mas como ala ou lateral direito. Teve uma capacidade de assimilação e aprendizagem muito grande, para compreender esses princípios defensivamente. Os próprios colegas começaram a perceber que ele tinha rendimento ali e a meter-lhe na cabeça que era lateral. Ele continuava a dizer que ia fazer carreira a médio. Ainda bem que lhe conseguimos incutir isso na cabeça, porque havia ali alguma reticência dele», acrescenta Samuel.

Sendo lateral há tão pouco tempo, é natural que Pedro Carvalho ainda tem aspetos a melhorar, como se viu na época passada, no Restelo, e como ainda se pode ver na curta amostra no Estoril. A turma canarinha certamente estará a trabalhar com o jovem lateral esses aspetos e Samuel Santos destaca o lado defensivo, embora esteja confiante na evolução do antigo pupilo.

«Defensivamente ainda tem coisas a evoluir e a corrigir, mas isso é o mais fácil de aprender. Para chegar a este nível, ele tem uma coisa que muitos dos jogadores que já me passaram pelas mãos não tiveram, que é a capacidade de trabalho. Foi isso que o catapultou de forma tão rápida. Há muitos jogadores que não têm essa capacidade cognitiva de adaptação. Ele teve essa disponibilidade mental. É um miúdo muito disponível a nível mental, muito inteligente e tem uma disponibilidade física que lhe permite, às vezes, compensar alguns erros que ainda tem. Acho que até pode ser benéfico para ele jogar numa linha de quatro, como o Estoril, porque vai ter outras obrigações», conclui.

Renovar...para chegar à Primeira Liga

A adaptação a lateral foi tremenda e, apesar da época menos positiva do Belenenses, que culminou na descida de divisão e regresso à Liga 3, a verdade é que Pedro Carvalho foi uma das boas surpresas da última edição da Segunda Liga. Por isso, para preparar as várias possibilidades para o futuro, o Belenenses renovou com o novo lateral, em janeiro.

Impressionou em 2023/24 @Rogério Ferreira / Kapta+

A descida de divisão acabou por ser incontornável, mas Patrick aguentou o jogador o máximo que pôde, à espera da «inevitável» proposta da Primeira Liga.

«Quando subiu a sénior, tinha muitas propostas de equipas da Liga Revelação. Pela relação que ele e a família tinham comigo, mas também porque o fizemos ver que podia ser o melhor caminho, acabou por ficar. Há várias formas de chegar ao topo e não passa necessariamente pela Liga Revelação. A renovação do Pedro em janeiro de 2024, porque terminava contrato no final da época, foi uma prova de caráter da parte dele e reconhecimento pelo que o Belenenses lhe tinha dado. Quando renovámos, disse-lhe para estar tranquilo, porque tinha a certeza que ele ia chegar à Primeira Liga. No final da época tivemos várias propostas de Segunda Liga para ele sair, ele foi resistindo, porque eu fui rejeitando. Eu sabia que ia aparecer Primeira Liga para ele. Só não aconteceria se estivessem todos desatentos. Parece que não é o caso», conclui o dirigente.

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