Escritora luso-americana assustada com o “rancor e raiva” na América

2 meses atrás 32

“Há rancor e raiva, e isso, parte-me o coração”. É desta forma que a escritora norte-americana Katherine Vaz descreve a atual situação nos Estados Unidos. A autora com ascendência portuguesa mostra-se preocupada com o caminho que está a ser traçado para as eleições presidenciais de 5 de novembro, às quais se recandidatam Joe Biden e Donald Trump.

De passagem por Lisboa, para participar no programa Disquiet promovido pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento e pelo Centro Nacional de Cultura e para lançar o seu mais recente romance “A Linha do Sal” (Ed. ASA), a escritora diz: “É de partir o coração ver que as divisões parecem não ter qualquer razão. Todos estão divididos e, eu estou bastante assustada com o que pode acontecer”.

Katherine Vaz que prefere dar a entrevista em inglês, embora fale bem português, dá-nos como exemplo a cidade de Nova York onde vive para dizer que é uma metrópole onde vivem “todas as culturas do mundo”.

“A minha esperança é que a América se lembre que o seu coração e alma são isso. É estar com todo o tipo de pessoas, diferentes, e celebrar isso, trabalhar em conjunto. Acho Nova York um lugar muito amigável. Eu sei que o estereótipo não é esse, mas acho que os nova iorquinos muito amigáveis e apoiam-se uns aos outros. É isso que eu espero que o meu país se lembre e que deve defender isso”.

A história dos madeirenses obrigados a fugir para os Estados Unidos

Katherine Vaz assume como missão da sua escrita dar voz a histórias que envolvam portugueses e o seu mais recente livro não é exceção. Levou 15 anos a escrever “A Linha do Sal”, uma obra que retrata uma realidade passada na Madeira, a qual encontrou por acaso.

“Eu estava a fazer uma apresentação na Biblioteca do Congresso, em Washington. Foi uma honra para mim, porque eles estavam a gravar o meu trabalho para os Arquivos da Divisão Hispânica, como a primeira luso-americana publicada numa grande editora nos Estados Unidos”, conta-nos nesta entrevista na Livraria Buchholz, em Lisboa.

Na ocasião, foi alertada para uma exposição que estava na “sala dos mapas”. “Era algo chamado ‘Os Portugueses Protestantes de Illinois’. Nunca tinha ouvido falar de tal comunidade!”, diz-nos surpreendida esta filha de pai açoriano.

“Tratava-se de um grupo de madeirenses que foi convertido à igreja presbiteriana no século XIX por um missionário escocês. Eles foram expulsos da Madeira. Havia muitos conflitos religiosos na ilha”, explica-nos.

A História levou-a a pesquisar esta comunidade. “É uma história notável, porque eles foram adotados por Illinois, na época de Lincoln, e o que me atraiu foi que era uma história de imigração muito fascinante que certamente poucos americanos conheciam, e penso que muitos portugueses também não tinham conhecimento dessa história”, destaca Katherine Vaz.

A autora de “A Linha do Sal” explica que se tratava de um “grupo grande, de umas centenas” de madeirenses e, alguns deles, acabaram a lutar na Guerra Civil norte-americana. Nascida na Califórnia, Katherine Vaz levou 15 anos a pôr de pé a história que tem no epicentro da ação um enredo de amor.

Existem muitos romances sobre a guerra civil nos Estados Unidos, mas há muito poucos que mostrem o ponto de vista de um imigrante, e muito menos de um imigrante português. E eles lutaram na guerra civil e, então, é também uma homenagem a isso”.

Além da exposição que a despertou para a história destes emigrantes, Katherine Vaz explica que houve também uma pessoa com quem se cruzou que a levou a imaginar a ficção deste romance.

“Ele andou à deriva pelo Ocidente durante 50 anos depois de voltar da guerra, e eu pensei, o que é que aconteceu com ele? Então, foi nesse espaço em branco que desenvolvi o romance que levei 15 anos a escrever! A Mary foi difícil de encontrar. Mas o John deixou alguns vestígios com os quais eu pude começar”, indica-nos sobre duas das personagens principais.

“Mergulhei nesse espaço em branco e questionei o que tinha acontecido? Que tipo de história de amor aconteceu que fazia a mão dele tremer quando estava a assinar o livro quando regressou a Centro Lincoln para uma visita?”, interrogou-se a autora.

“Isso empurrou-me para a história. Criei também um triângulo amoroso, na verdade. Então, se os leitores gostam de histórias de guerra, mas também dessas sagas de amor arrebatadoras, sabe como é?!”, diz Katherine Vaz a incentivar quem a queira ler.

A autora que admite que por vezes as personagens acabam por mandar na autora, e serem elas a definir o seu destino, explica-nos que fez uma investigação que passou pela ilha da Madeira, onde encontrou muitas auto publicações destes emigrantes madeirenses de Illinois.

Escrever sobre as raízes portuguesas é uma missão

A autora, agora com 60 anos, admite que passou “décadas” da sua carreira “a escrever histórias sobre os portugueses na América para o público leitor americano”. Mas as suas obras estão também traduzidas em vários países.

“Este livro, ‘A Linha do Sal’, vai ser traduzido para russo (risos), o que é interessante, porque é um grande livro de guerra e paz, então estou muito feliz com isso!”, confessa. No seu olhar, contar estas histórias de portugueses “é uma história de amor”, até porque lembra o seu pai que “tinha muito orgulho nas suas raízes açorianas”.

“Ele escreveu sobre isso de certa forma e eu peguei nessa inspiração dele. Estas histórias são maravilhosas e não aparecem na paisagem literária americana. Então, tive muita sorte na forma como isso foi apoiado e celebrado”, refere.

“Quando vim a Lisboa uma vez, a escritora Maria Teresa Horta, como eu venero, escreveu um artigo em que me chama a ‘nossa prima americana’. Achei isso perfeito!”, relata de forma orgulhosa Katherine Vaz quer tem agora este “A Linha do Sal”, editado pela ASA, com tradução da escritora Tânia Ganho.

Ler artigo completo