Esteve exposto a amianto? Esta campanha pode ser ser para si

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Rastreio ao mesotelioma

26 jul, 2024 - 06:00 • Ana Catarina André

Carmen Lima, presidente da SOS Amianto, explica que, entre os profissionais que continuam expostos a este mineral cancerígeno, estão bombeiros, membros da proteção civil e trabalhadores que reparam condutas de abastecimento de água.

A SOS Amianto - Associação Portuguesa de Proteção contra o Amianto lançou, em parceria com a Fundação Champalimaud, uma campanha de rastreio ao mesotelioma, um tipo de cancro agressivo associado à exposição ao amianto. Ainda que não haja informação precisa sobre a sua utilização em Portugal, pensa-se que este mineral terá sido incorporado em cerca de quatro mil tipos de materiais diferentes, estando presente em habitações, teatros, museus, tribunais, mas também em comboios, navios, pavimentos, entre outros.

Carmen Lima, presidente desta associação, sublinha a importância do rastreio precoce e a necessidade de acompanhamento dos profissionais que continuam atualmente expostos ao amianto. “O foco é tentar colmatar uma grande falha que existe em Portugal”, afirma. E sublinha: “Estou muito expectante que o atual Governo assuma o amianto como prioridade.”

Nos últimos anos, tem havido em Portugal algumas campanhas para remoção do amianto, depois de a sua utilização ter sido proibida em 2005. Qual é o atual ponto da situação?

Não se consegue fazer um ponto de situação. Tem havido em Portugal realmente uma série de alertas com uma grande carga ansiogénica, mas isso depois não se tem refletido naquilo que são as situações que merecem, efetivamente, atenção e não tem levado a que haja uma intervenção por parte do Governo ou dos responsáveis. As fibras de amianto foram incorporadas em cerca de 4 mil tipos de materiais diferentes. Por exemplo, abordou-se muito o tema nas escolas, muito potenciado pelos movimentos políticos. As escolas têm efetivamente ou podem ter coberturas com fibrocimento, mas têm também pavimento que pode ter fibrocimento na sua composição. Este pode estar também nas juntas de dilatação, nos revestimentos à volta das janelas, em alguns tetos falsos.

A sua presença vai, portanto, muito além das placas a que normalmente se associa o amianto…

Exatamente e em situações onde o risco é realmente acentuado. Se houver um pavimento degradado, com fibras na sua composição, por vezes até na cola, e os miúdos e os profissionais andarem constantemente a pisá-lo, estão a agredir esse material. Ao agredir esse material estão a provocar a libertação de fibras num local fechado. Muitas escolas portuguesas têm pouco conforto térmico no inverno e estão sempre fechadas – a inalação [dessas fibras] é uma probabilidade. São situações graves, com uma urgência imediata.

O amianto é a segunda maior causa de doenças profissionais no mundo.

Que outros locais de risco aponta?

Os espaços são transversais. O amianto era um material abundante pelas suas condições térmicas, acústicas. Tinha um preço muito interessante. Não ardia. Inclusive não há outro que consiga, com as mesmas características, substituí-lo. Foi usado em tudo o que era construção. Por exemplo, se queríamos proteger uma sala de espetáculos, as pessoas que iam a uma peça de teatro, os atores ou as pessoas que trabalhavam no teatro, incorporávamos amianto, por exemplo, na cortina do palco ou na parte elétrica, ou na zona de uma régie. Estamos a falar de há uns anos, porque o amianto foi proibido em 2005. [Antes dessa data], se houvesse documentos de extrema importância, numa seguradora, ou num edifício de escritórios, o que se fazia era revestir de amianto todas as paredes das salas onde eram guardados esses arquivos. Isso aconteceu em seguradoras, aconteceu inclusive nas salas da Santa Casa da Misericórdia. O amianto teve uma utilização muito dispersa. Encontramo-lo nos pavimentos dos tribunais, em comboios, navios, pastilhas de travão, em edifícios, e aqui podemos estar a falar em edifícios de habitação, edifícios privados e públicos que são usados como locais de trabalho, mas também edifícios de recreio e de lazer, por exemplo, museus, teatros.

O amianto é cancerígeno, mas causa também outras doenças...

Está classificado como cancerígeno de grau 1. Tem um risco bastante elevado para a saúde. Aliás, o amianto é a segunda maior causa de doenças profissionais no mundo. Não há qualquer dúvida sobre a relação entre a exposição ao amianto e o desenvolvimento de determinadas doenças. Estamos, neste momento, a desenvolver um rastreio para a Fundação Champalimaud, para detetar exclusivamente o mesotelioma pleural maligno. Um médico quando diagnostica um mesotelioma sabe que aquela pessoa, em algum momento, esteve exposta a amianto – é a doença que conseguimos relacionar diretamente. Inclusive, em algumas biópsias é possível encontrar nos tecidos do órgão fibras do amianto. Estas fibras não se destroem, não ardem. Aliás, algumas das fábricas de amianto usavam expressões como “eternity” [para descrever este material].

Há outras doenças…

Pode provocar uma inflamação dos tecidos pulmonares, a asbestose. Existem outras: placas pleurais, outros tipos de cancro que a Organização Mundial de Saúde já associa à exposição ao amianto, como, por exemplo, o cancro do colo do útero, o cancro dos ovários, o cancro da laringe, o cancro gastrointestinal. Claro que há maior dificuldade em estabelecer uma relação. Nos Estados Unidos, estão a decorrer, há vários anos, processos contra uma marca de pó de talco, porque o pó de talco é um mineral que era extraído em algumas pedreiras, onde, por vezes, também eram retiradas fibras de amianto que se iam misturando com o pó de talco. Provou-se que, durante anos, a utilização do pó de talco nas meninas, agora mulheres, levou ao desenvolvimento de cancros ginecológicos.

A associação está a promover um programa de rastreio ao mesotelioma. Em que é que consiste esse programa e como é que as pessoas podem participar?

É um programa da Fundação Champalimaud que visa testar um método inovador no diagnóstico e no rastreio de vários tipos de cancro. O responsável é o professor Jorge Cruz, meu orientador de doutoramento… houve, obviamente, esta relação de proximidade de poder incluir o rastreio também às doenças provocadas pelo amianto e, portanto, ao mesotelioma pleural maligno. Enquanto investigadora na área do amianto, e enquanto responsável por uma associação, o foco é tentar colmatar uma grande falha que existe em Portugal. Houve pessoas que estiveram expostas profissionalmente ao amianto, porque usaram o amianto enquanto matéria-prima ou porque na sua atividade profissional o amianto era usado como sua proteção. Vamos falar, por exemplo, da manutenção naval. Os trabalhadores da manutenção naval usavam luvas de amianto e aventais de amianto para se protegerem do calor das condutas dos navios. As pessoas da metalomecânica também usavam este tipo de equipamentos tal como algumas pessoas que desempenharam funções da construção civil. Estes profissionais deviam ser acompanhados pelo médico de família, porque a maioria das suas entidades empregadoras, digamos, as antigas fábricas de fibrocimento encerraram e, portanto, não é possível exigir à entidade empregadora este acompanhamento obrigatório por lei.

Além das profissões que enumerou, que outras podem ter sido afetadas?

As que trabalham na parte da manutenção do saneamento básico – o abastecimento de água e a recolha das águas residuais em Portugal ainda é feito, na grande maioria, em condutas de fibrocimento e, portanto, os trabalhadores do saneamento básico, quando fazem uma reparação, numa situação de urgência, e têm de cortar ou serrar uma conduta em fibrocimento, estão expostos a amianto.

A saúde é e tem de ser um tema prioritário.

Como é que a associação pode ajudar estas pessoas?

Estamos a convidar as pessoas que estiveram ou estão expostas a estas situações, ou que pelo menos tenham tido esta exposição há mais de 10 anos, que é um dos requisitos do programa da Fundação Champalimaud, que contactem a Associação SOS Amianto, quer através das redes sociais, quer através no nosso site, para que possamos integrá-los no nosso programa. O nosso objetivo é tentar rastrear possíveis doenças provocadas por este mineral cancerígeno e identificar o que quer que seja que esteja a provocar. Queremos fazê-lo o mais precocemente possível para que estas pessoas consigam ainda ter a possibilidade de um tratamento. O objetivo é que esse tratamento e esse acompanhamento seja feito pelos seus profissionais de saúde de confiança, os médicos de família, os médicos que os acompanham. Por exemplo, o mesotelioma é um cancro que, quando é identificado, está numa fase terminal. Esta fase terminal é do mais doloroso que pode haver, porque é como se a membrana do pulmão se transformasse em pedra. A dor é de uma intensidade brutal.

Quantas pessoas estão neste momento a acompanhar?

Conseguimos apoio para este rastreio do mesotelioma pleural maligno para 200 pessoas. Temos muita esperança de continuar a ter apoio para chegar ao máximo número de pessoas que estiveram expostas nestas características. É também o objetivo da nossa associação ajudar quem, neste momento, está exposto. Estamos a falar, por exemplo, de profissionais que trabalham em emergência: bombeiros, proteção civil. Um bombeiro que entra num edifício com uma cobertura em fibrocimento, para combater um incêndio, está exposto a uma situação em que as fibras de amianto se estão a libertar. Estes profissionais têm de ser ajudados. É esse o nosso objetivo. Estamos a começar a fazer alguns contactos e queremos muito em breve poder anunciar isso. Queremos ajudar estas classes profissionais a capacitarem-se, a terem conhecimento de como é que deverão agir para se protegerem. Efetivamente, o amianto foi proibido em 2005, mas não desapareceu. O que tem acontecido em Portugal é que este é um tema de moda. Se dá votos, é trabalhado. Se não, não é trabalhado. Não pode ser! O ano passado saiu uma diretiva comunitária que obriga que todos os Estados-membros definam uma estratégia. Portugal já deveria estar a preparar isso. O Parlamento Europeu atribuiu ao tema do amianto uma prioridade máxima. Estou muito expectante que o atual governo assuma o amianto como uma prioridade e não espere até o último dia da entrada em vigor da diretiva. Em 2005, proibimos o amianto, no decorrer de uma diretiva comunitária, mas fizemo-lo no último dia. Outros países já o tinham proibido muito antes. Gostava muito que não continuássemos a dar este mau exemplo. A saúde é e tem de ser um tema prioritário.

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