"Estoura um banco com prejuízos de 20 mil milhões e só conheço três arguidos", lamenta Ulrich

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O presidente do Conselho de Administração do BPI mostrou-se irritado com as perguntas durante o julgamento do BES, desabafando que “apenas conhece três arguidos” e adiantando que alertou o Banco de Portugal sobre problemas nas contas do Grupo Espírito Santo (GES) no final de 2013.

Ouvido esta terça-feira no Campus da Justiça, Fernando Ulrich foi um dos primeiros a avisar o Banco de Portugal e o Governo - na altura, o ministro das Finanças, Vítor Gaspar - sobre problemas nas contas do GES e do BES.

Mas, quando questionado pela procuradora Carla Dias, do Ministério Público, sobre o empréstimo do banco à Espírito Santo International (ESI), no valor de 100 milhões de euros, à holding do Grupo Espírito Santo numa altura em que já existia um buraco de milhares de milhões de euros, Ulrich mostrou-se visivelmente irritado.

“Não sou eu que estou a ser julgado, nem está o BPI, essa pergunta serve para quê? Por que tenho que explicar as negociações do BPI?”, questionou Ulrich, com a juíza Helena Susano a explicar que não é esse o “escopo das perguntas”.

O Ministério Público explicou que pretende perceber a “vida da ESI [Espírito Santo International]” e de que maneira o BPI acompanhou os últimos anos de vida da holding do Grupo Espírito Santo.

No entanto, Ulrich voltou a irritar-se com a pergunta: “Sei que estou a cumprir um dever, numa ocasião importante, mas faz-me muita impressão o que estão a fazer. Sem incluir as perdas dos lesados, estamos a falar de 18 mil milhões de euros e está a perguntar-me sobre o impacto de uma relação de crédito de 100 milhões de euros? Se continuarmos assim, daqui a 10 anos ainda vamos cá estar. Para que serve o que me está a perguntar, se estouraram com 18 ‘bis’, provavelmente mais de 20?”, perguntou Ulrich.

Mais tarde, o bancário desabafa mesmo que isto é “o que não se deve fazer”, relativamente ao julgamento.

“Estoura um banco e um grupo com prejuízos de 20 ‘bis’ [mil milhões de euros]. Eu era o responsável por um dos principais bancos. E chego aqui e só conheço três arguidos e vejo arguidos que provavelmente só estavam a executar ordens. Só tenho duas grandes aspirações para este julgamento: que consigam arranjar soluções para compensar as vítimas e que saia daqui uma lição para todos daquilo que não se deve fazer”, disse, considerando que o Governo estava “errado” em relação à resolução do banco, que considerou “imprudente”.

Em resposta, a juíza trava rapidamente o depoimento, considerando as palavras de Ulrich um “estado de alma”.

Os “sinais de fraqueza” do BES e o aviso ao Banco de Portugal

O chairman do BPI explicou em testemunho que costumava apresentar um slide em reuniões da administração com a relação entre o alto aumento de capital de bancos e os baixos dividendos atribuídos para explicar dificuldades financeiras noutros bancos que não o BPI.

“A Caixa Geral de Depósitos, o BCP e o BES fizeram aumentos de capital em muito maior dimensão que os dividendos que distribuíram a acionistas. Com o BPI foi o contrário. Esses aumentos de capital não eram sinais de força, eram sinais de fraqueza”, acrescenta Ulrich

Em resposta a um dos advogados de lesados, Ulrich refere a medo que quem renegociava o crédito do BPI à ESI, no valor de 100 milhões de euros, eram quadros superiores - “acho que era o doutor Salgado”, mas sem confirmar.

Sobre os avisos às contas do GES, cujos números foram obtidos por serem mutuários de holdings do Grupo Espírito Santo, foi feita uma primeira comunicação ao Banco de Portugal em meados de outubro de 2013. Nesse intervalo, já o crédito à ESI tinha sido liquidado.

O que me preocupava, na altura, eram as consequências da situação do GES, que pudessem vir a ter nos BES e que gerassem um problema sistémico e nos pusesse todos em perigo. Não era pelos 100 milhões”, afirma Ulrich.

O presidente do Conselho de Administração diz ainda que os contribuintes “não suportaram” a queda do BES. “Quem perdeu foram os acionistas do BES, os obrigacionistas que passaram para o banco mau, os bancos através do Fundo de Resolução e os clientes que compraram os produtos.”

O chairman do BPI diz ainda que, se os bancos tivessem sido obrigados a arcar com o prejuízo do GES de uma vez, um terço dos bancos portugueses deixaria de existir. “Era isso que me preocupava, não ia falar com o governador por causa de um cliente”, diz Ulrich.

Mas, perante questões de transparência do BES, voltou a não querer responder. “Não percebo o que estou aqui a fazer. É uma pergunta opinativa”, disse.

Fernando Ulrich, presidente da comissão executiva da administração do BPI até 2017, é atualmente administrador não executivo do banco. De manhã foi ouvido o testemunho de Pedro Queiroz Pereira, administrador da Semapa, ao Ministério Público em 2018, meses antes de morrer.

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