Fazendeiros contra recuperação de territórios atacam indígenas brasileiros

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Adriano Machado - Reuters

Parece uma questão quase histórica, que remonta à época em que os europeus colonizavam o continente americano, mas é uma situação ainda dos dias de hoje: as comunidades da Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá, na região oeste do Paraná, no Brasil, têm sido alvo de ataques e ameaças por parte de fazendeiros.

O conflito entre as comunidades indígenas e alguns proprietários não é recente, mas escalou desde que o povo Avá Guarani deu início ao processo para recuperar os seus territórios incluídos na Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá, delimitada em 2018 pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (conhecida pela sigla Funai). O problema é que, embora parte das terras estejam definidas como pertencentes às comunidades indígenas, há cerca de 165 produtores que têm fazendas sobrepostas à Reserva Indígena.

Desde então, os fazendeiros vêm atacando os indígenas em diversos locais, com tiros, incêndios e tentativas de atropelamento.

Segundo a imprensa brasileira, na terça-feira a habitação de uma família Avá-Guarani do Tekoha Ara Poty – uma das terras recuperadas na região, em Terra Roxa – foi destruída por fazendeiros que estavam acompanhados de agentes da Força Nacional de Segurança Pública.

O ataque foi filmado pelos proprietários e autores do ato hostil, e divulgado nas redes sociais, e aconteceu poucos dias após o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) ter suspendido o processo de reintegração das comunidades indígenas nos territórios.

Segundo as lideranças, sob o olhar conivente da Força Nacional, fazendeiros destruíram nesta terça (6) o barraco de uma família indígena no tekoha Ara Poty, retomada dos Avá-Guarani em Terra Roxa (PR). A ação foi filmada pelos próprios agressores, em vídeo que circula nas redes pic.twitter.com/ojGcmg9pPU

— Cimi (@ciminacional) August 8, 2024

Os Avá-Guarani, também conhecidos como Nhandéva, são descendentes dos antigos guaranis de Guairá e Mbaracayú, que mantinham relações com os colonos europeus desde o século XVI. De acordo com um representante desta comunidade, “entrou uma camioneta” na zona ocupada pela família Avá-Guarani que ia “acompanhada pela Força Nacional”.


“O proprietário conseguiu arrancar todo o barraco [a estrutura habitacional], colocou na camioneta e levou tudo. Foi um ataque”
, acrescentou a mesma fonte, que frisou que naquele local vivia um casal, quatro crianças e uma pessoa idosa. “O casal ficou sem barraco. Foi um crime, queremos justiça”.

O vídeo foi gravado a partir do interior do veículo utilizado e no qual se vê dois homens a desmontar a estrutura enquanto a família indígena assiste à destruição da sua habitação.

“Foi combinado com o Jairo, vocês sabem”, ouve-se um dos homens, enquanto arrancam a lona que cobria a estrutura e removem as estacas que sustentavam a casa improvisada.

Os intervenientes alegam ainda à família que a “ação teria anuência” da Funai.

A retomada Ara Poty foi uma das nove terras estabelecidas pelos Avá-Guarani no interior da Tekoha Guasu Guavirá em julho passado. Contudo, esta comunidade indígena está numa área sobreposta a uma propriedade conhecida como Fazenda Brilhante.

Conflito escala com suspensão judicial

Os indígenas reivindicam há décadas as áreas da Terra Guasu Guavirá, já reconhecidas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) como tradicionais. Mas o sistema judicial suspendeu em julho a reintegração das comunidades nestas áreas. Desde então, a pressão e os ataques por parte dos fazendeiros aumentaram.

Para resolver o conflito foi constituído um Grupo de Trabalho (GT) envolvendo as áreas de ocupação com representantes das prefeituras de Terra Roxa e Guaíra, das comunidades na Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá, do Poder Judiciário do Estado do Paraná, da Funai, do Ministério dos Povos Indígenas, do MPF e dos proprietários de terras.

Mas o governador de Paraná, Ratinho Junior, tem afirmado que não vai aceitar “invasões indígenas”, referindo-se à ocupação de terras nas cidades de Terra Roxa, Guaíra e Altônia. As ameaças de reintegração de posse feitas pelo governador põem em risco cerca de 550 pessoas, entre crianças, mulheres e idosos do povo Ava Guarani.

Em julho, quando se iniciou o processo de retoma dos territórios, vários fazendeiros apresentaram ações judiciais a pedir o despejo do povo, acabando por conseguir que um juíz suspendesse o processo. Ao todo, são quatro reintegrações de posse e quatro interditos proibitórios que atingem quatro comunidades.

O tribunal decidiu ainda proibir a Funai de dar assistência ao povo Avá-Guarani, com a entrega de mantimentos, água e itens de higiene básica para as comunidades.

Contudo, os órgãos federais argumentaram que a ordem de despejo contra os indígenas “só acirraria os conflitos, impedindo ou postergando a efetiva solução da questão, devendo o pedido de interdito e reintegração ser indeferido”. A decisão de reverter os despachos judiciais não garante, no entanto, o fim dos ataques, das ameaças e da violência contra os indígenas.

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