FC Porto volta ao inferno do São Luís: «Quando cá vinha, era um ambiente de guerra»

7 meses atrás 53

«O FC Porto sabe que jogar no São Luís nunca foi fácil», afirmou, a dada altura, José Mota, treinador do Farense, na antevisão ao duelo deste domingo frente ao FC Porto. O mítico Estádio de São Luís vai abrir as portas para o episódio 50 do livro de encontros entre as duas equipas, no anfiteatro algarvio, em jogos de campeonato. E embora 'nunca' possa ser uma palavra um tanto ou quanto forte, os números ajudam a dar alguma razão ao timoneiro farense.

Nos 24 encontros da primeira divisão que os dois conjuntos disputaram a sul, os dragões venceram em 13, o que corresponde a 54 por cento. E ainda que o FC Porto não tenha perdido nas últimas nove deslocações a Faro, os registos corroboram a ideia de que o São Luís pode ser o Cabo das Tormentas para os azuis e brancos. Vejamos: nos primeiros cinco duelos ali jogados, entre 1970 e 1973, os portistas nunca venceram. Melhoraram depois disso, mas os finais da década de 80 e inícios da década de 90 voltaram a ser de extrema dificuldade para o dragão em passar numa das fortalezas mais imponentes da época.

9 de janeiro de 1994. À 15.ª jornada, um golo tardio de Goran Stevanovic volta a fazer o FC Porto cair no São Luís. Foi a segunda vitória consecutiva do Farense sobre os azuis e brancos no seu estádio, em jogos de campeonato. E também a última. Daí seguiram-se nove duelos, com um empate e oito desaires algarvios. Pelo meio, o famoso pentacampeonato portista.

«Quando o FC Porto cá vinha, era um ambiente de guerra»

Hoje em dia pode ser difícil fazer este exercício, até porque os tempos são outros, mas pensar num Farense - FC Porto é pensar num dos jogos mais especiais do nosso futebol. Assim o tornaram aqueles que pisaram o relvado do São Luís noutros tempos. De Emil Kostadinov a Hajry, de Ljubinko Drulovic a Milonja Djukic.

Os Leões de Faro procuram recuperar o rugido de outrora. A campanha atual aproxima-se, até ver, dos feitos de outros tempos e o São Luís recuperou a sua imponência. Faro e o Farense têm novamente uma fortaleza.

qFicámos um ano e meio sem perder no São Luís

Pitico

«Se não me engano, ficámos um ano e meio sem perder no São Luís. Tínhamos perdido com o Sporting [0-2, a 11 de abril de 1992], depois acabámos a época sem perder com mais ninguém em casa e só voltámos a perder... com o Sporting [0-1, a 26 de setembro de 1993], um ano e meio depois», contou ao zerozero o brasileiro Pitico, jogador do Farense entre 1988/89 e 1993/94. Esteve presente na última vitória caseira frente ao FC Porto. E os números confirmam a série invicta.

«Todas as equipas que ali passavam tinham grandes dificuldades. Lembro-me dos últimos jogos que fizemos no São Luís contra o FC Porto. Ganhámos 1-0, com um golo, se não me engano, do Hugo». Confere. Não foi a última vitória, a do golo de Stevanovic, mas foi a penúltima, a primeira nessa tal série de dois triunfos consecutivos. A 19 de maio de 1993, com um golo tardio de Hugo Santos. São Luís, vitórias por 1-0 e golos em cima da hora. Começa a notar-se um padrão.

Voltamos a alertar para o facto de serem tempos diferentes. Porém, Faro vai voltar a parar para receber um dos jogos grandes do nosso futebol, ainda que a atmosfera na antecâmara possa ser diferente da que Pitico nos descreveu: «Contra o Benfica e o Sporting era um ambiente especial, mas não de loucura, de guerra. Quando o FC Porto cá vinha, era um ambiente de guerra. Queríamos ganhar, o Porto sabia que as dificuldades eram grandes e houve até alguns casos, nos anos 80, do Farense ser castigado em jogos com o Porto. Era um caso à parte, não pelo Farense, mas pelo Porto. Sabiam que quando vinham a Faro, ia ser uma luta muito grande.»

Dificuldades? O poder da amizade toca a todos

Os relatos que ouvimos fazem jus à grandiosidade do embate. O «ambiente de guerra», o São Luís a abarrotar e um Farense a transpor para o relvado o ADN de um povo. Por tudo isto, o anfiteatro algarvio estava longe de ser apenas a némesis dos portistas.

«O São Luís não era um campo difícil só para o Porto. Era um inferno para as equipas todas. Sabiam as dificuldades que encontravam no São Luís e o Porto não fugia à regra. Sabiam que para ganhar em Faro, tinham que lutar muito», disse ao zerozero outra figura de culto da história do clube, no caso o goleador Hassan Nader.

Farense já tombou o SC Braga no São Luís esta época @Kapta+

Quisemos saber o segredo. O que tornava a viagem ao São Luís um motivo de calafrios para azuis e brancos e não só. A resposta de Pitico é maravilhosa: «Eu acho que a principal arma do Farense foi a amizade. Nós, jogadores, tínhamos um relacionamento, uma cumplicidade uns com os outros que era incrível. A gente sabe que, num clube de futebol, é difícil chegar e ter os jogadores todos na mesma sintonia. Geralmente há um grupo ali, mais cinco ou seis ali... Nós quando entrávamos em campo, as diferenças ficavam todas de fora. A amizade, o respeito entre nós era muito, muito grande. Lembro-me de jogadores, quando cheguei aqui, que me marcaram muito. O Ademar, o Formosinho, o Pereirinha... jogadores que já cá estavam», começou por dizer.

Não podia faltar o icónico Paco Fortes, claro está. Mas quando se falou do homem que marcou uma era no Farense, primeiro como jogador e depois como treinador, Pitico escolheu recordar dois nomes muitas vezes esquecidos. «Não devemos esquecer duas pessoas que foram fundamentais naquele sucesso do Farense: o Fanã e o Balela. Foram duas pessoas fantásticas que ajudaram muito o Paco Fortes a ter o sucesso todo que teve no Farense», disse.

Adeptos que «dificilmente se encontram em Portugal»

Nenhum clube faz da sua casa um inferno para o adversário sem o contributo da massa adepta. Nesse departamento, Pitico e Hassan estão em plena sintonia: em Faro encontram-se dos melhores que há.

«Se compararmos os mais antigos com os de agora, não mudou absolutamente nada», disse-nos Pitico. «As pessoas falam dos adeptos do Vitória SC, mas o Farense não fica a perder. Estão em menor quantidade, tudo bem, mas em termos de torcer e puxar pelos jogadores, dificilmente encontram algo assim em Portugal, exceto nos grandes. Lembro que na minha época era uma loucura em casa e fora de casa. Na final da Taça de Portugal, a cidade ficou a bem dizer deserta com os adeptos a irem em massa para o jogo com o Estrela», recordou.

@Kapta+

«Claro que o público apoiava muito, sobretudo a claque. O São Luís estava quase sempre cheio. O apoio dos adeptos foi sempre muito importante», corroborou Hassan. O goleador apontou ainda a importância dos associados nas horas mais difíceis, aquelas em que as paredes da fortaleza começaram a rachar, aquelas em que o Estádio de São Luís deixou de ser dor de cabeça para as equipas de primeira divisão... porque deixou de estar na primeira divisão.

«Já sabem dos problemas que o Farense passou. Houve uma altura em que o clube ia desaparecer, só que as pessoas, claro, não deixaram. Já não é o inferno do São Luís que era naquela altura, mas agora a equipa já está na primeira. Não podemos esquecer que os farenses ficaram ligados ao clube, não o abandonaram. Agora, ano após ano, está muito melhor», afirmou.

Pitico vai estar na bancada, junto da família, «a torcer para que o Farense demonstre contra os grandes, como já fez com o Sporting, que dificilmente ali vão ganhar». O antigo avançado partilha do entusiasmo do ex-companheiro em relação ao momento atual do clube, de tal maneira que não hesita em evocar tempos antigos para dizer: «O FC Porto vai sentir muita dificuldade no São Luís.»

Brasil

Pitico

NomeManoel Inácio Silva Filho

Nascimento/Idade1963-07-01(60 anos)

Nacionalidade

Brasil

Brasil

Dupla Nacionalidade

Portugal

Portugal

PosiçãoAvançado (Extremo Direito) / Médio (Médio Centro)

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