Fenómeno Gyökeres visto na Suécia: «Não há noção de que tem sido grande em Portugal»

7 meses atrás 88

Em Portugal não se fala de outra coisa. Nos cafés, nos comboios, nas ruas. Em todo o lado, por estes dias, há um nome que domina as conversas: Viktor Gyökeres. O internacional sueco chegou, viu e venceu no futebol português. Mais: está a ser responsável por um impacto que há muito não se via no futebol luso, ao ponto de o transportar para o patamar de outras figuras ilustres do Tugão.

Não falamos só de números, embora esses também sejam estratosféricos (27 golos e dez assistências em 28 jogos). Falamos de tudo o que o antigo jogador do Coventry City aporta ao Sporting de Rúben Amorim, inclusive do trabalho que os golos e assistências não traduzem.

Portugal rendeu-se a Gyökeres e não há lugar onde se passe e não se oiça o nome do goleador ou se veja a já famosa máscara com que celebra a ser replicada por miúdos e graúdos. Tudo isto leva à pergunta: há mais de onde este veio? Com base nessa premissa, o zerozero fez-se à estrada e encontrou um português, claro está, em plena Suécia. 

Tiago Santos - ao centro na fotografia de capa - é analista na academia do AIK, um dos mais emblemáticos clubes suecos, depois de já ter passado pelo GIF Sundsvall, e abriu-nos a porta a uma conversa que começou no avançado do Sporting, passou aos novos talentos a despontar naquele país e acabou no momento atual do futebol sueco.

Embarque connosco nesta conversa. Prometemos que, na pior das hipóteses, ganha mais um lote de jovens para contratar no Football Manager, isto apenas no caso de ainda não os ter descoberto por lá.

«Vai haver dificuldade em um sueco chegar a Portugal e ser tão dominante»

zerozero: Como é que a «febre» Gyökeres tem sido vivida na Suécia?

Tiago Santos: Eu penso que não chega tanto cá a questão de estar a fazer a diferença no campeonato português. O que chega é que as coisas estão, de facto, a correr-lhe bem e que tem jogado. Na altura da transferência do Coventry para o Sporting, havia muita conversa nos media. Ganhou um pouco mais de notoriedade, mas acho que aqui não têm tanta noção de que tem sido tão grande em Portugal. Sabem o que ele faz quando chega à seleção, onde se calhar não marca tanto a diferença como no Sporting, mas também lhe tem corrido bem. Têm noção do que se passa no Sporting e com ele, mas penso que todo o fenómeno em volta não chega aqui.

zz: Os suecos têm noção, ainda assim, do valor dele enquanto jogador? Percebem que têm algo especial em mãos?

TS: Creio que sim. Quando entra a conversa do interesse do Chelsea e dos 100 milhões de euros da cláusula... julgo que sim. Acho que a parte que não chega tanto cá é em relação ao fenómeno que é em Portugal, a diferença que tem feito no campeonato e como é um jogador diferente do que estamos habituados no nosso país.

@Kapta+

zz: Não se apercebem de ser um jogador diferente porque na Suécia há mais do mesmo perfil?

TS: Não sei se não será mais por falta de contacto com o que é o futebol português. Aqui eles são muito de conexão a clubes ingleses, também da altura em que tiveram o IFK Göteborg na Liga dos Campeões. Não acompanham o futebol português, de todo. Penso que seja mais por aí.

Em relação à questão de ser um jogador explosivo e se há mais na Suécia: acho que vai haver dificuldade em, por exemplo, um jogador sueco chegar a Portugal e ser tão dominante e diferente como ele é. Os jogadores que a Suécia está a formar neste momento, a nível de camadas jovens... Muitas das seleções jovens estão abaixo dos níveis físicos e da performance física em relação a outras equipas jovens. Quando jogamos qualificações percebe-se - e também pelos dados - que a parte física está um pouco subdesenvolvida em relação a outros países. Os jogadores que agora têm saído, não são tanto de fazer a diferença pela parte física. Aqui os jogadores saem mais cedo do que em Portugal, saem com 17/18 anos. Em Portugal saem com 20/21, mais estabelecidos.

q[O perfil de Gyökeres] Não é muito replicável com os jogadores que se vê agora a serem formados na Suécia

Tiago Santos

O Hugo Larsson, que saiu para o Eintracht Frankfurt, o Lucas Bergvall, que foi para o Tottenham, e o Jonah Kusi-Asare, que saiu para o Bayern München, são jogadores muito novos e que não fazem tanta diferença pelo físico, mas pela capacidade de passe. O Jonah é um jogador diferente fisicamente, não tão forte, mas esguio e é muito bom dentro da área. Acho que não será tanto pela parte física como acontece com o Gyökeres.

O caso dele [Gyökeres] talvez não seja só pelo facto de ser sueco, mas também por ter passado no St. Pauli e no Brighton, onde pode ter desenvolvido mais as capacidades físicas. Ele já era um fenómeno a nível físico quando a Suécia jogou a qualificação dos sub-17, em Portugal, mas acho que potenciou [essas caraterísticas] ainda mais no St. Pauli e no Brighton, onde teve mais tempo para desenvolver essas capacidades.

zz: O perfil do Gyökeres então é totalmente diferente do sueco.

TS: Acho que sim. Não é muito replicável com os jogadores que se vê agora a serem formados na Suécia, no meu ponto de vista. O [Alexander] Isak, por exemplo, é um jogador que é mais rápido, mas não tem poderio físico para ir a duelos como tem o Gyökeres. O Hugo Larsson e o Lucas Bergvall são fortes a nível dos duelos, mas não tão dominantes como ele.

zz: Estatisticamente, esta é provavelmente a melhor temporada da carreira do Gyökeres. Ainda tem mais para mostrar?

TS: É uma pergunta difícil, mas interessante. Acho que o facto de o Sporting estar a ter uma época ofensiva acima do que é normal também ajuda a que os números sejam altos e vice-versa...

@Kapta+

zz: Mas a época «acima do que é normal» não pode estar também ligada diretamente à diferença que ele faz?

TS: Sim, sim. Mas também acho que, por exemplo, o Sporting desde o início da época que começou a explorar mais as capacidades dele. Há o esticar na frente, que permite à equipa respirar e ganhar metros de profundidade, o que não acontecia antes. Isso beneficiou muito a equipa.

zz: Onde é que vê margem para crescimento?

TS: Na decisão. Claro que ele tem bastantes golos e assistências e isto é estar a ser preciosista ao máximo, mas acho que talvez lhe falte explorar um pouco melhor os colegas no último terço, principalmente em transição. Mas isto é um preciosismo máximo. O homem está a marcar 20 e tal golos e nós estamos a ser picuinhas. Se houver ponto de desenvolvimento, seria este, mas melhor que isto também será difícil.

«O futebol sueco não tem capacidade para manter os melhores jogadores»

zz: Os suecos sempre viram este potencial no Gyökeres ou estamos a falar de um daqueles casos de «explosão» tardia?

TS: Se calhar não viam com tanto impacto como está a ter. Ele saiu daqui com 16/17 anos para o Brighton. Já se percebia que tinha potencial, mas talvez não para ter tanta influência como está a ter agora. O futebol sueco não tem capacidade para manter os melhores jogadores por mais tempo. É um pouco como acontece em Portugal, mas os clubes portugueses conseguem pagar mais aos jogadores e mantê-los mais tempo, até aos 20/21 anos. Aqui é complicado. Não há o dinheiro das competições europeias e os clubes não têm a capacidade financeira para manter os melhores jogadores o maior tempo possível. Mesmo esses saem por dez milhões de euros. É difícil para os clubes terem robustez financeira para suportar e conseguir manter estes jovens talentos mais tempo.

zz: Que historial tem o Brommapojkarna na formação? É um emblema com história ou Gyökeres é caso único?

TS: Têm história. O [Dejan] Kulusevski foi formado aqui, por exemplo. Na seleção sueca, nesta altura, acho que são cinco os jogadores formados no Brommapojkarna. É um clube dos arredores de Estocolmo e é capaz de ser dos que tem, não só a nível sueco, mas europeu, o maior número de jogadores nas camadas jovens. Têm muitas equipas fora da academia, mas com muitas crianças da área de Estocolmo a jogar. São um clube formador. O Lucas Bergvall, por exemplo, foi formado lá. Foi vendido pelo Djurgarden, mas foi formado lá, só foi para o Djurgarden no ano passado. O Jonah Kusi-Asare foi formado lá, só no ano passado é que foi para o AIK. É um clube com história e com a forma como estão a produzir jogadores, parece-me que é para continuar.

qMesmo esses [os melhores jogadores da Suécia] saem por dez milhões de euros

Tiago Santos

zz: Que outros clubes se destacam na prospeção de talentos na Suécia?

TS: A nível de formação, o Brommapojkarna é claramente um dos melhores na Suécia. Talvez a nível sénior não seja tão influente como, por exemplo, o AIK, que é um clube que aposta bastante na formação e na organização da academia. Diria o AIK, o Brommapojkarna e o Malmö, que continua a ser a melhor academia do país a nível de certificação.

Todas as equipas de Estocolmo e o Malmö são, à partida, as que têm desenvolvido mais talentos. Há outros clubes como o IFK Göteborg, de onde têm saído alguns bons jogadores, e o Häcken, que tem estado a desenvolver muito e a investir na academia e formação de jogadores jovens. Ainda agora saiu o Momodou Sonko para o Gent. São muitos clubes diferentes agora a investir mais nas academias, mas diria que principalmente o Malmö e os clubes de Estocolmo.

zz: Clubes todos com história também ao nível sénior... exceto o Brommapojkarna. Algum motivo especial?

TS: Os outros clubes de Estocolmo também percebem que o Brommapojkarna é uma entidade formadora, que forma muito bons jogadores, e vão lá buscá-los, mesmo que tenham de pagar. Mas também penso que é porque não têm a base de adeptos que os outros têm. Têm muito poucos adeptos e fica complicado de suportar o clube dessa forma também. Em Estocolmo, a maior parte dos adeptos são do AIK, do Djurgarden ou do Hammarby. Fica difícil competir com esses três no futebol sénior.

@Getty /

zz: Lucas Bergvall e Hugo Larsson são duas das maiores promessas suecas da atualidade. Em quem devemos colocar também os olhos?

TS: Posso dizer que, no AIK, há o Taha Ayari. É muito novo e tem estado a despontar na equipa principal. O Malmö tem o Sebastian Nanasi e o Häcken o Pontus Dahbo. No Hammarby há o Jusef Erabi, que em termos físicos talvez seja o jogador mais próximo do Gyökeres a jogar na Suécia.

zz: Este mercado, não só sueco mas também dos países vizinhos, pode ser cada vez mais atrativo tanto a nível de qualidade como financeiro? Pensando, por exemplo, no futebol português: a Suécia e Dinamarca podem vir a ser alternativas de mercado para os clubes portugueses que se refugiam muito na América do Sul?

TS: Penso que sim. É capaz de ser um pouco mais difícil para um sueco, a nível cultural, do que é para um argentino ou brasileiro chegar a Portugal. Há a diferença do tipo de futebol, mas a nível cultural para eles é parecido. Eu continuo a achar que pelos valores que os melhores jogadores suecos têm saído daqui - e para equipas como Eintracht Frankfurt ou Tottenham - é de arriscar. As pessoas deviam ter um pouco mais de atenção.

qNo Hammarby há o Jusef Erabi, que em termos físicos talvez seja o jogador mais próximo do Gyökeres a jogar na Suécia

Tiago Santos

zz: Sente que os grandes clubes estão a perder o medo de arriscar num mercado e cultura diferentes?

TS: Os portugueses não. Principalmente o futebol dinamarquês, que está uns patamares acima do sueco, tem dado a entender que é um mercado que os clubes grandes têm de começar a olhar mais. A única exceção em Portugal com o mercado sueco é o SC Braga com o Joe Mendes. Veremos se é para continuar.

zz: Falou da questão cultural. Que diferenças se encontram entre Suécia e Portugal, por exemplo?

TS: Em Portugal somos muito de convívio com amigos, de sair à rua e estar com outras pessoas. Aqui são muito mais centrados neles próprios, mais frios nesse aspeto. Talvez seja a maior diferença e que poderia afetar a mudança de um jogador sueco para Portugal.

zz: Não são pessoas de relação fácil.

TS: Não. Não é fácil construíres uma relação próxima com um jogador sueco.

«Os clubes preferem contratar um jogador com o dinheiro que dava para alguém da estrutura»

zz: Falando agora mais do estado atual do futebol sueco: a seleção não vai estar no Campeonato da Europa pela primeira vez neste século e falhou três dos últimos quatro Campeonatos do Mundo. Há motivos para alarme?

TS: Em termos de capacidade dos jogadores, não. Continuo a achar que em termos de qualidade do jogador sueco, não deveria ser um problema. Mas sim, de facto, é uma altura instável na Suécia. Eu estou agora a fazer um curso de análise e os analistas da federação estão cá. Para eles é também uma questão de incerteza. Não sabem quem é o selecionador sueco. Vão jogar agora com Portugal, em março, e não sabem quem é o selecionador ou quem vai ser.

É um momento de incerteza, depois de um período de seis anos em que tiveram alguma estabilidade e alguns resultados minimamente significativos para a Suécia, embora estes dois últimos anos tenham sido piores. Será um novo começo. Quem for o novo selecionador, tem material para dar um passo em frente em relação ao que tem sido agora.

zz: Se formos ver, a Suécia sempre nos deu grandes jogadores: Zlatan Ibrahimovic, Henrik Larsson, Fredrik Ljungberg, Kim Källstrom... Onde é que podemos encontrar justificação para as coisas não estarem a resultar?

TS: É capaz de ter sido alguma saturação, também. As ideias já não estarem a passar para os jogadores.

zz: Os países escandinavos têm também sido atração para vários profissionais portugueses. Porquê?

TS: É uma boa pergunta e eu talvez não seja a melhor pessoa para responder. O meu background não tem nada a ver com futebol. Joguei em Portugal durante muitos anos, até aos sub-19, mas nunca treinei nem nada do género. O meu background é de biotecnologia...

@Federação Sueca de Futebol

zz: Então e como é que alguém de biotecnologia acaba a analista na academia do AIK?

TS: Eu mudei-me para Sundsvall com a minha namorada, que é portuguesa e passou por um processo de recrutamento para se mudar para a Suécia, onde fez Erasmus. Eu tinha um trabalho, que curiosamente também não tinha nada a ver com biotecnologia, e não estava muito contente. Decidimos emigrar e cheguei à Suécia em 2020, a 13 de janeiro. No final do mês, bateu a pandemia de Covid-19. O timing foi interessante.

Nessa altura, interessei-me mais por análise. Acabei por entrar em contacto com o clube da cidade onde estava, o GIF Sundsvall, e tive a oportunidade de me juntar a eles. Percebi que também não havia muito trabalho de análise feito ao nível da academia e comecei assim. Depois, nós sempre quisemos mudar-nos para uma cidade mais central na Suécia, para ser mais fácil ir a casa ou receber família cá. Contactei clubes, principalmente em Estocolmo, para ver da possibilidade de me juntar e as pessoas do AIK gostaram do que viram e apareceu a oportunidade.

zz: Que condições é que os clubes destes países conseguem oferecer aos seus profissionais? Estão cada vez mais preparados?

TS: Sim e não. Neste momento não estou a full-time, é um objetivo para o futuro próximo. Sei como é a organização do AIK e posso dizer que, talvez a seguir ao Malmö, seja o segundo clube melhor preparado na Suécia a nível de academia e para os seus profissionais desenvolverem o trabalho da melhor forma.

É difícil perceber como os outros clubes funcionam ao certo, mas sei que a nível de trabalho de academia, ainda há muito a percorrer, principalmente em termos de posições especializadas. Muito do trabalho ainda é dado aos treinadores e muitos deles não estão a full-time. Mesmo a nível de equipas seniores, na primeira divisão, a carga de trabalho ainda cai muito no treinador. Tem que fazer a análise do adversário, planear o treino...

zz: Ainda não há especialização das tarefas.

TS: Exato. E não só. Ao nível do scouting, ainda é muito na base das ofertas de agentes, por exemplo. Ainda há muito caminho a percorrer, principalmente para se chegar ao nível de uma Dinamarca ou até mesmo Noruega.

zz: Mas falamos de falta de poderio financeiro para montar estas estruturas ou falta de visão?

TS: Acho que é a falta de poder financeiro, sim. Por exemplo, o Malmö, que é o clube melhor preparado, neste momento tem quatro analistas na equipa principal. Outros clubes na Suécia, se calhar todos juntos não têm quatro analistas a full-time. Mas também é uma questão de prioridades, acho eu. Os clubes preferem contratar um jogador com o dinheiro que dava para contratar alguém para a estrutura, nem que fosse só para ajudar e aliviar carga do treinador e do diretor desportivo. Preferem assinar com um jogador que depois, se calhar, vamos a ver e não traz retorno.

Suécia

Viktor Gyökeres

NomeViktor Einar Gyökeres

Nascimento/Idade1998-06-04(25 anos)

Nacionalidade

Suécia

Suécia

Dupla Nacionalidade

Hungria

Hungria

PosiçãoAvançado (Ponta de Lança)

 UD Leiria x Sporting CP

 UD Leiria x Sporting CP

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