O sistema Distronic da Mercedes-Benz está para a condução autónoma como o Rui Veloso está para o rock português. Neste artigo explicamos porquê.
Na Razão Automóvel temos uma vertigem pelas inovações. Tanto as atuais como as mais antigas. Os nossos artigos sobre o pioneirismo dos motores FIRE da Fiat — ou mesmo sobre os motores Common Rail da mesma marca — são testemunhos disso mesmo.
Há centenas de artigos dedicados a estes temas nas nossas secções de Clássicos e Autopédia, às quais recomendamos, naturalmente, uma visita fora do horário de expediente (ou não…).
Hoje o tema não são as mecânicas italianas — um assunto sobre o qual, pessoalmente, adoro escrever —, mas sim uma tecnologia que foi estreada há 30 anos pela Mercedes-Benz. Falamos do sistema Distronic.
Um sistema pioneiro que encontrámos pela primeira vez naquele que foi, durante muitos anos, considerado o melhor carro do mundo: o Mercedes-Benz Classe S da geração W 140. Se temos um vídeo sobre ele no nosso canal de YouTube?
Não precisa de perguntar duas vezes:
O pai da condução autónoma
O sistema Distronic está para os atuais sistemas de condução autónoma como o Rui Veloso está para o rock português. O Rui Veloso é considerado o «pai do rock português» e o Distronic pode ser considerado o pai (ou a mãe, se preferirem) da condução autónoma.
© Mercedes AG Já que levantámos questões relativas à parentalidade destas tecnologias, é importante referir que o «pai» do Distronic foi Ernst Dickmanns, professor da Universidade de Munique. O pioneiro da condução autónoma na indústria automóvel.Não é exagero, foi uma tecnologia verdadeiramente marcante para indústria automóvel. Fazendo um desvio no assunto, o Distronic acabou por ser a face mais visível do projeto Eureka PROMETHEUS (Programa para o Tráfego Europeu com Maior Eficiência e Segurança Sem Precedentes).
Um programa pan-europeu, lançado pela então Daimler-Benz, que em cooperação com vários fabricantes europeus, fornecedores de componentes e universidades, deu um empurrão valente à tecnologia automóvel entre o final da década de 80 e meio da década de 90.
À época, o Eureka PROMETHEUS foi o maior programa de investigação e desenvolvimento de tecnologias de condução autónoma, obrigando os japoneses, que na altura eram a referência nestes domínios, a meter a «viola no saco» — algo que felizmente o Rui Veloso nunca fez.
Atualizado à taxa de inflação, o programa Eureka Prometeus teve um custo total na ordem dos 750 milhões de euros.
© Mercedes AG Uma das mulas de testes do Eureka PROMETHEUS, neste caso um Mercedes-Benz W 124.Um projeto que conseguiu algo que nos parece quase impossível de alcançar quando pensamos na capacidade tecnológica da indústria automóvel há 30 anos: em 1995 um protótipo do Classe S W 140 conduziu praticamente sem intervenção humana ao longo de 1678 km, ligando Munique, na Alemanha, a Copenhaga, na Dinamarca.
A história deste programa é muito interessante e merece um artigo mais longo, mas já me desviei demasiado do assunto principal. Desculpem, distraí-me… vamos regressar ao Distronic.
No início do programa Eureka Prometheus, os sistemas eram tão grandes e os processadores tão limitados que era preciso uma Mercedes-Benz 508D para acomodar tudo.Afinal, para que servia o Distronic?
O Distronic foi o primeiro sistema de controlo de distância e velocidade aplicado a um automóvel de produção. O seu objetivo era simples: manter a distância para os outros veículos, evitando colisões e aumentando a agradabilidade de condução em autoestrada.
Para tal, alimentava-se da informação recolhida por um radar montado na grelha dianteira. Essa informação era então processada por uma unidade de comando, que estava ligada ao sistema de travagem e centralina do motor do Mercedes-Benz W 140.
Além disso, no quadrante dos Classe S W 140 equipados com este sistema Distronic encontrávamos um ponteiro. Tinha duas zonas, uma vermelha e outra verde, que indicavam se estávamos demasiado perto ou a uma distância segura do veículos da frente.
© Mercedes AG Ponteiros físicos. Numa era totalmente digital é quase nostálgico olhar para um painel 100% analógico.Hoje, este sistema é completamente rudimentar e está praticamente disseminado por todos os segmentos. Em condições de «pára arranca» até um modelo de segmento B como o Renault Clio é capaz de arrancar e travar sozinho, libertando o condutor dessa tarefa.
Mas em 1995 o cenário era totalmente diferente e este sistema Distronic parecia ficção científica.
© Mercedes AGEntretanto, como sabemos, desencadeou-se uma corrida desenfreada à condução autónoma com as promessas que todos conhecemos e que têm vindo a ser, na sua esmagadora maioria, uma a uma, incumpridas.
A propósito deste assunto, vale a pena recordar uma conversa que tive, há uns dois anos, com um dos «gurus» da condução autónoma e foi isto que ele me disse. Foi um banho de realidade:
Uma coisa é certa, entre promessas adiadas e conquistas concretas, a verdade é que os «filhos do Distronic» têm salvo milhares de vidas e evitado milhões de acidentes. É um saldo positivo, não acha?
Da minha parte, desde que possa continuar a conduzir, estes sistemas são todos bem vindos. Posso estar a ser injusto, mas acho que nós, amantes de automóveis, às vezes somos demasiado relutantes relativamente a novas tecnologias.
Ou será que já temos tecnologias a mais? Bem… isto dava uma boa discussão para mais um podcast da Razão Automóvel, não acha?
Prometemos que vamos regressar em breve.
© Mercedes-Benz Mercedes-Benz Classe S (W140)