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Após a tempestade, população procura água e alimentos em Paiporta. Foto: João Cunha/RR
Soluça, disfarçadamente, ao olhar para o que antes foi um pequeno largo de entrada no bairro Paiporta, em Valência, colado à margem direita do Barranc de Xiva, após a tempestade que já provocou mais de 150 mortes em Espanha. Uma ribeira funda onde há muito não corria água.
Atravessando a Pont Nou, de imediato se dá de caras com um morador de uma residência unifamiliar, cuja entrada está a cerca de um metro do piso da rua. O acesso, feito por escadas, desapareceu por completo. O muro e o gradeamento de metal que delimitavam a casa também já lá não estão.
Já no interior do bairro de Paiporta, dezenas de pessoas com lama pelos tornozelos, transportavam garrafões vazios para ir buscar água potável. Surgem camiões dos bombeiros, viaturas da Polícia Nacional e da Guardia Civil. E Franklin Esteves lá está, sujo de lama da cabeça aos pés, a olhar incrédulo para a multidão e para uma viatura ligeira que só parou quando a força das águas fez com que a metade traseira entrasse numa janela de um rés-do-chão. Venezuelano, radicado há mais de 20 anos no bairro, diz que nunca viu nada igual.
“Nunca, nunca. Isto é de filme de terror, inimaginável”, garante.
“Pessoas mais velhas, de 70 ou 80 anos, que viveram aqui toda a vida, dizem que isto nunca aconteceu e que não imaginavam que pudesse acontecer”, diz, emocionado, enquanto puxa de um pedaço de papel no bolso para se assoar.
Moradora de Paiporta limpa a lama que invadiu a sua casa. Foto: João Cunha/RR
Ali ao lado, a Pont Nou já não tem o gradeamento metálico nem a via dedicada a ciclistas, ao lado de uma das faixas de rodagem. Da ponte até lá abaixo, à ribeira, a altura já é menor, tal a quantidade de detritos, canas, lama, terra, automóveis soterrados quase na totalidade e lixo.
Pelo que resta da ponte, um corre-corre de muitos populares que, sem abastecimento de água, sem energia e sem comida, fazem de tudo para garantir o conforto possível de mais uma noite traumática.
De carrinhos de bebé a servirem para transportar alimentos ou água, recorrendo até a cadeiras com rodas ou a carrinhos de mãos, lá seguem, apressados. Como Pepe Algava, que com o marido, filha e netos, atravessa para o outro lado do rio.
Lamenta o que diz ter sido um erro de cálculo no aviso à população feito pelas autoridades, que diz ter sido tardio.
“Fosse feito a tempo e não se perdiam vidas”, lamenta, enquanto a filha se emociona.
“Perdemos amigos, vizinhos, perdemos quase tudo”, explica a jovem mãe, sempre de olho no filho mais pequeno, que brinca com os sacos de plástico que tem enrolados aos pés, numa tentativa frustrada de não sujar as botas.
Foto: João Cunha/RR
“Os políticos deviam estar aqui, connosco, ao nosso lado, a limpar o lodo, a ajudar-nos, com pás, com as mãos, com o que fosse”, diz Pepe.
“Não temos água. Nem banho podemos tomar. Não temos luz, não podemos cozinhar. Há crianças e ainda por cima não há comida, porque saquearam o supermercado”, indica, apontando a zona da cidade onde se encontra essa superfície comercial.
Para lá chegar, há que atravessar um dos três parques industriais existentes nas proximidades. Em todos eles há marcas nas paredes exteriores dos armazéns que indicam a altura a que a lama chegou. Certamente mais do que dois metros.
Com as portas destruídas pela força das águas e da lama, muitos destes armazéns têm, em “loop”, o alarme a tocar, insistente e repetidamente. Um som que incomoda os funcionários de muitas dessas empresas que chegaram para começar as operações de limpeza e populares que procuram, em cada rua, pelos seus automóveis. Estavam estacionados junto á margem do rio Túria, a cerca de 600 metros de distância. Adrian Cortez é um desses populares, que acompanha o avô na busca.
Consequências do mau tempo em Paiporta. Foto: João Cunha/RR
Gostava que a companhia de seguros cobrisse pelo menos parte da despesa com os estragos que o automóvel terá: “Os carros, os negócios, ninguém sabe se vão ajudar a suportar os prejuízos. Ninguém sabe se vai ser indemnizado.”
Lamenta que estejam há mais de 48 horas sem luz, explica o transtorno que isso representa, tal como a falta de comunicações móveis para conseguir chegar à fala com familiares que ainda não conseguir esse contacto.
E acaba a conversa a garantir que “já há gente a pilhar supermercados, porque não têm o que comer”. Ao fundo da rua, no fim do parque industrial, um helicóptero da Guardia Civil sobrevoa um supermercado onde já estão elementos armados, à porta, a impedir a entrada.
Em frente, numa rotunda, dezenas de pessoas de carrinhos de compras cheios que ainda tentam perceber se as autoridades vão por ali ficar ou dali sair. Porque, se saírem, eles voltam a entrar.