Oposição, da esquerda à direita, e partidos que suportam o Governo pretende esclarecimentos do ex-ministro das Finanças sobre operação “artificial” que UTAO diz ter garantido rácio da dívida de 99,1% no fim do ano passado. Na mira dos partidos está ainda o envolvimento das empresas públicas Águas de Portugal, NAV e Casa da Moeda que contribuíram com entregas extraordinárias de 130 milhões de euros, na estratégia de fixar dívida abaixo dos 100% do PIB. Medina vai ser ainda confrontado pelo PSD com compromisso de aumento de capital por parte do antigo primeiro-ministro para ultrapassar recusa inicial do presidente da AdP na entrega de 100 milhões de euros de dividendos.
O ex-ministro das Finanças é ouvido no Parlamento nesta terça-feira sobre a “operação especial” para redução da dívida pública que Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) classificou de “artificial”, antes de se conhecerem os pagamentos de dividendos por empresas públicas como a Águas de Portugal (AdP) e outras entregas extraordinárias de dinheiro pela Casa da Moeda e NAV no final do ano passado para garantir o rácio da dívida abaixo dos 100%. Partidos da oposição, e os que suportam o Governo de Luis Montenegro, vão pedir explicações sobre as novas operações que envolvem estas empresas públicas. Os sociais democratas querem ainda saber se houve um compromisso do ex-primeiro-ministro de um aumento de capital de 100 milhões, de igual montante ao dividendo pago, para não impossibilitar o plano de investimentos da AdP.
O grupo parlamentar do PSD considera “incontornável” esclarecimentos de Fernando Medina sobre estas novas operações que garantiram ao Estado 130 milhões de euros. E vai questionar o agora deputado do PS sobre o impacto negativo na gestão operacional e corrente destas empresas.
Ao JE, Jorge Paulo Oliveira, deputado social-democrata e membro da Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública (COFAP), assegura que Medina não pode deixar de ser questionado sobre as novas operações com empresas públicas que foram conhecidas após o requerimento do CDS para a audição do antigo ministro, que teve na base o relatório da UTAO sobre condições dos mercados, dívida pública e dívida externa até março. Um documento entregue a 10 de abril no Parlamento, onde a unidade coordenada por Rui Nuno Baleiras considera que o acréscimo substancial dos fatores de consolidação da dívida pública em 2023 resulta dos excedentes orçamentais e da “busca deliberada de aplicações em títulos”.
“É incontornável que estas novas operações da AdP, NAV e Casa da Moeda não deixem de ser objeto de pedido de esclarecimentos na audição a Fernando Medina, sendo certo que o que está na base do requerimento desta audição era o relatório da UTAO, e na altura não se conheciam estas operações, que não deixam de estar relacionadas com a estratégia de redução da dívida abaixo dos 100%,pelo que faz todo o sentido”, avançou ao JE Jorge Paulo Oliveira. O JE sabe que os partidos da oposição da esquerda à direita vão pedir também explicações sobre estas novas operações.
O deputado social-democrata adianta que são várias as questões a colocar a Medina sobre estas novas operações relativas a dividendos e antecipação de receitas por parte de empresas públicas. “É verdade ou não que a AdP foi pressionada a pagar um dividendo de 100 milhões de euros? Houve ou não recusa inicial do presidente desta empresa para este pagamento? Houve ou não um compromisso do antigo primeiro-ministro para ultrapassar esta dificuldade com vista a um aumento de capital de igual montante para não colocar em causa o plano de investimentos da AdP?”, antecipa Jorge Paulo Oliveira.
Este deputado realça ainda que no caso da NAV e da Casa da Moeda, os sociais democratas pretendem também saber “se estas empresas foram pressionadas a antecipar receitas e alertaram para impactos negativos na gestão corrente e operacional”.
Também o deputado do PSD, Hugo Carneiro, afirma ao JE estar preocupado com o facto de o antigo ministro das Finanças desvalorizar a análise da UTAO”, lembrando os comentários de Fernando Medina sobre o relatório da unidade técnica de apoio orçamental ao Parlamento, que classificou a diminuição da dívida pública no final do ano passado como “artificial” considerando que Medina usou a consolidação da dívida pública – a dívida ao ser comprada por entidades da Administração Pública deixa de contar para Bruxelas – e o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) para conseguir um rácio tão baixo, numa redução assinalável em relação aos 112,4% com que terminou 2022. Segundo os cálculos da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), caso esta operação “artificial” não tivesse acontecido, teria ficado em 107,9%.
Em reação às críticas quanto à estratégia de redução da dívida, o antigo ministro acusou a unidade coordenada por Rui Baleiras de se “imiscuir em decisões políticas”, argumentando que esta “não tem de ter opinião” sobre as operações em causa. “Era o que faltava que a UTAO não pudesse fazer uma análise técnica sobre esses temas”, remata Hugo Carneiro.
O pedido de audição urgente de Medina, feito pelo CDS-PP, foi aprovado no final de abril na sequência do alerta dado pela UTAO que já sinalizou que sem a operação especial desenhada pelas Finanças, o rácio no final do ano teria sido de 107,9%, ou seja, muito acima do valor anunciado e insuficiente para trazer o indicador de novo abaixo dos 100%, nível que não se verificava desde 2009.
Num relatório sobre condições dos mercados, dívida pública e dívida externa até março, entregue em abril no parlamento, a unidade coordenada por Rui Nuno Baleiras, considera que o acréscimo substancial dos fatores de consolidação da dívida pública em 2023 resulta dos excedentes orçamentais e da “busca deliberada de aplicações em títulos”. E avisa que “a obrigação de servir a dívida detida por entidades públicas permanece para os contribuintes”, acrescentando que “o acréscimo de aplicações de unidades orgânicas em instrumentos de dívida do sector AP se explica sobretudo pela vontade deliberada de reforçar a exposição a estes títulos (essencialmente, Bilhetes do Tesouro e Obrigações do Tesouro)”. Para a UTAO, “haverá casos em que este reforço resultou de meras opções de gestão e casos em que as opções de gestão financeira foram condicionadas por orientações do Governo”.
AdP, Casa da Moeda e NAV fizeram entregas extraordinárias de 130 milhões
Entretanto, mais detalhes foram conhecidos sobre a estratégia de Medina e do anterior Executivo para baixar o rácio de endividamento. As notícias mais recentes apontaram para entregas extraordinárias de dinheiro por várias empresas públicas no final de 2023. Depois de ter sido conhecido o dividendo extraordinário de 100 milhões de euros que a Águas de Portugal (AdP) foi obrigada a entregar ao Estado, o jornal ‘Público’ noticiou neste sábado, 11 de maio, que a Casa da Moeda e NAV também deram a Medina dinheiro que ajudou dívida pública em 2023, operações que levantam mais questões sobre as contas no final da legislatura socialista.
De acordo com o ‘Público’, a administração da Casa da Moeda (INCM) foi convocada ao Ministério das Finanças a 22 de dezembro, tendo-lhe sido comunicada a pretensão do Executivo para a entrega de um dividendo extraordinário de 20 milhões de euros. Porém, a Casa da argumentou que esse valor teria impacto na situação financeira da companhia, propondo em alternativa ir às reservas e acabou por entregar 10 milhões de euros. Já a NAV, empresa de navegação aérea, diz que “recebeu uma orientação das tutelas financeira e sectorial para proceder à remuneração dos capitais investidos, por conta de distribuição de resultados acumulados disponíveis”, tendo transferido 19,6 milhões de euros por resultados gerados entre 2016 e 2022, que estavam contabilizados no balanço em resultados transitados.
Estas empresas terão sido ordenadas pela tutela a entregas extraordinários ao acionista Estado de 130 milhões de euros, ajudando assim na obtenção do rácio de dívida pública anunciado por Medina no início deste ano e do excedente orçamental de 1,2% do PIB.