Moedas admite que Maria Luís Albuquerque pode ocupar uma vice-presidência da Comissão Europeia

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28 ago, 2024 - 15:33 • José Pedro Frazão

O antigo comissário europeu Carlos Moedas admite que a presidente da Comissão Europeia poderá dar a Maria Luís Albuquerque um cargo importante na área económica e até mesmo uma vice-presidência na Energia ou no Digital, premiando também a indicação de uma mulher pelo Governo português. Em entrevista à Renascença, o autarca de Lisboa explica a importância de estar próxima da presidência e a natureza da relação com o primeiro-ministro do país de origem.

Carlos Moedas admite que Maria Luís Albuquerque pode ocupar uma vice-presidência da Comissão Europeia
Carlos Moedas foi colega de Governo de Maria Luís Albuquerque no Governo de Passos Coelho. Foto: Lusa

Carlos Moedas admite, em entrevista à Renascença, que Maria Luís Albuquerque, a escolha do Governo para comissária europeia, pode ocupar uma vice-presidência da Comissão Europeia.

O atual presidente da Câmara de Lisboa foi colega de Maria Luís Albuquerque no Governo de Pedro Passos Coelho, trabalhando de forma direta com a troika de instituições internacionais durante a aplicação do Programa de Assistência Económica e Financeira.

Carlos Moedas era o secretário de Estado Adjunto na dependência do primeiro-ministro que acompanhava a intervenção externa. Maria Luís foi secretária de Estado do Tesouro e Finanças antes de assumir o cargo de ministra das Finanças.

Ao fim de um ano, o nome de Maria Luís Albuquerque circulou como potencial comissária europeia, mas Passos Coelho acabou por optar por Carlos Moedas que assumiu a pasta da Investigação, Ciência e Inovação. Dez anos depois, de novo por escolha de um primeiro-ministro do PSD, agora sim é a vez da antiga ministra rumar a Bruxelas, para um cargo que o autarca conhece bem.

O primeiro-ministro sublinha que Maria Luís Albuquerque tem o perfil indicado para comissária europeia. O maior partido da oposição tinha pedido um perfil ao nível da comissária atual, Elisa Ferreira. O que pensa da escolha do Governo?

Foi uma excelente escolha. Está dentro das características principais para ser comissário europeu. Tem de ser alguém muito bom tecnicamente e Maria Luís Albuquerque provou em várias etapas da sua vida que é uma excelente técnica. Deve ter também características políticas que Maria Luís Albuquerque revelou como ministra das Finanças, mas sobretudo ter exposição internacional.

Como ex-comissário, sublinho que é muito importante que as pessoas que, no fundo, representam o nosso país e todos os europeus, tenham domínio de outras línguas, que tenham conhecimentos nas várias entidades estrangeiras e nas organizações supranacionais. Maria Luís Albuquerque é uma mulher conhecidíssima na OCDE, na Comissão Europeia, no Banco Europeu de Investimento ou no Banco Central Europeu. Toda a gente a conhece e, portanto, isso é uma grande vantagem para o país.

É uma mulher que vai fazer um papel seguramente muito bom e penso que, com um perfil como o de Maria Luís Albuquerque, há mesmo chance de Portugal voltar a ter alguma vice-presidência da própria Comissão Europeia. Obviamente, isso será uma decisão da própria presidente Ursula von der Leyen, mas penso que Maria Luís Albuquerque estaria à altura desse cargo.

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Tendo em conta o perfil mais económico de Maria Luís Albuquerque, há muitos países que sinalizam candidatos sobretudo masculinos - e esse pode ser um ponto importante – para esta área financeira. Por exemplo, estão indicados os atuais ministros das Finanças da Áustria ou da Irlanda. Será possível Portugal ter uma pasta económica de relevo na Comissão Von der Leyen?

Sim, e por essa razão. É muito importante haver uma paridade entre homens e mulheres na Comissão Europeia. Ursula Von der Leyen tem lutado muito para isso e neste momento, como os países têm nomeado mais homens do que mulheres, penso que a presidente da Comissão vai dar aqui a primazia em determinados postos às mulheres, exatamente para premiar os países que tiveram a coragem de nomear mulheres quando quase todos estão a nomear homens.

Não conheço as decisões de Ursula von der Leyen, mas aquilo que observo e pela informação que tenho através das pessoas que conheço em Bruxelas, diria que se tiver de escolher entre um homem ou uma mulher para uma pasta importante financeira, Von der Leyen tenderá a escolher neste caso uma mulher muito competente como Maria Luís Albuquerque, exatamente para dar o sinal de que os países deveriam ter enviado mais mulheres.

Essa paridade é essencial hoje em qualquer organização e, neste momento, os países não estão a cumprir com o pedido dela, que é conseguir ter uma paridade entre homens e mulheres na Comissão Europeia.

Existem várias pastas no domínio económico. Olhando para o perfil de Maria Luís Albuquerque, estaria mais talhada para as áreas dos mercados de capitais, para a economia ou para o orçamento?

Há uma conceção em Portugal de que as pastas dos comissários devem ter a ver apenas com as suas características e o seu historial em determinados setores. Pelas suas características, Maria Luís Albuquerque pode ter outras pastas que até não sejam na área financeira ou económica.

Por exemplo, a pasta da área da energia não é apenas técnica, no sentido da energia, mas tem uma parte financeira muito grande. Há muitas pastas que uma comissária com as suas características pode ter, e que não têm forçosamente de ser apenas no mercado de capitais, no orçamento ou na economia. Podem ser também pastas setoriais, como é o caso da energia, que hoje é sobretudo uma pasta que tem uma componente muito grande de mercados financeiros. Essa também é uma pasta que ela poderia ocupar sem qualquer problema.

As escolhas em política Internacional fazem-se através da capacidade que as pessoas têm de aprender a própria matéria da pasta que lhes é dada. É uma mulher que já mostrou que aprende muito rapidamente.

A decisão que Ursula Von der Leyen vai tomar, em contacto com o primeiro-ministro, pode passar até por uma pasta setorial. Não vejo porque não.

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Sugeriu que Maria Luís Albuquerque pode assumir uma vice-presidência. De que tipo?

Normalmente, a presidente Ursula von der Leyen tem sempre várias vice-presidentes, umas mais na área económica ou financeira ou outras na área do Ambiente. A pasta da Energia pode ter uma vice-presidência. Uma vice-presidência na área do Digital é também sempre muito importante.

É uma escolha que fará no "desenho" do Colégio dos Comissários onde penso que, estando com dificuldade em ter mais nomes de mulheres, vai querer dar o sinal de que vai dar essas vice-presidências sobretudo a comissárias.

É apenas o sentimento de alguém que já esteve em Bruxelas durante cinco anos. Não tenho nenhuma informação privilegiada, mas conhecendo o ‘modus operandi’ da presidente Ursula von der Leyen, diria que vai tender a compensar os países que tiveram a coragem de enviar mulheres, como ela tanto pediu, mas muitos países não respeitaram.

Diria mesmo que depois, quando a passarem à audição no Parlamento, poderá dar-se o caso de alguns homens não conseguirem passar para que haja esse equilíbrio de paridade.

Todos nós estamos de acordo de que deve haver uma paridade. Infelizmente, a presidente da Comissão não tem o poder ou a capacidade de exigir aos países que, neste caso, estão sobretudo enviar a nomes de homens.

Este é um cargo supranacional e Portugal estaria sempre representado na Comissão Europeia. Ainda assim, tendo em conta a sua própria experiência, que interesse traz para Portugal a ocupação destas pastas, em particular as energias, os serviços digitais ou uma pasta da área económica?

Todas estas pastas têm num grande interesse para Portugal. É do interesse de Portugal que a pasta tenha uma grande relevância junto da Presidente da Comissão, por exemplo, na área financeira, económica ou orçamental.

Por exemplo, há a pasta que gere o orçamento da União Europeia é para um comissário muito próximo da presidente da Comissão e, portanto, aí há uma vantagem muito grande porque o comissário português estaria próximo das grandes decisões europeias.

Depois há pastas, como foi o caso da pasta da Ciência da Inovação, em que o comissário tem uma liberdade muito grande e que não depende dos países. Quando era comissário, não dependia da vontade dos países, trabalhava diretamente com as universidades e com as empresas. Era eu que decidia para onde é que o dinheiro ia, para que empresas ou universidades e isso também dá um poder enorme. Um comissário que tenha orçamento que pode distribuir sem passar pela vontade dos países, tem mais poder.

Tudo isto é um jogo em que muitas vezes as pessoas olham para as diferentes pastas e pensam que algumas que têm um grande poder e não têm. E há outras que às vezes são menos consideradas e que, afinal, têm um grande poder. Lembro-me que quando fui para comissário da Ciência e Inovação, muitas pessoas não tinham ainda compreendido a importância que aquela pasta tem a nível europeu.

A pasta do Digital é, atualmente, uma pasta importantíssima a nível europeu, sobretudo com o que estamos a viver nas redes sociais e os ataques à democracia.

Não estou a querer desvalorizar umas pastas ou outras, mas diria que são aquelas que têm maior proximidade à presidente da Comissão, ou que têm um orçamento muito grande, em que o Comissário tem uma certa discricionariedade na utilização desse desses valores.

Vêm aí tempos difíceis para a Europa?

Quando foi comissário europeu, trabalhou com um primeiro-ministro numa área política diferente. Qual é a relação que existe entre um comissário europeu e um primeiro-ministro em Portugal? Como é que será a relação entre Luís Montenegro e Maria Luís Albuquerque?

É uma relação muito importante, até porque o comissário europeu é também, de certa forma, alguém com quem o primeiro-ministro se pode aconselhar em temas europeus. O comissário europeu é alguém que também pode transmitir informações importantes do que se está a passar em Bruxelas.

É verdade que trabalhei com o primeiro-ministro António Costa, que não era da minha área política, mas em determinados momentos lembro que trabalhei com ele para evitar que Portugal tivesse multas numa altura em que Portugal e Espanha estavam a ser atacados para serem multados em relação o não cumprimento dos défices excessivos. E obviamente uni esforços com o então primeiro-ministro para que isso não acontecesse. Esse trabalho em prol do país foi muito importante ao conseguirmos trabalhar acima dos partidos políticos e da política partidária. É isso que as pessoas esperam de nós. E, portanto, neste caso, Maria Luís Albuquerque obviamente trabalhará muito bem com o primeiro-ministro Luís Montenegro. Não tenho qualquer dúvida sobre isso.

Por fim, havendo um presidente do Conselho Europeu português (António Costa), com uma comissária com este perfil, isto terá algum impacto nas escolhas que Ursula von der Leyen vai fazer?

Não acredito. Ursula von der Leyen até terá algum interesse que uma comissária portuguesa esteja próximo dela exatamente para a relação que ela tem com o presidente do Conselho, que também é português. Penso que ela até teria alguma vantagem em ter uma Comissária que estivesse próxima.

Pelo que conheço de Ursula von der Leyen e de Maria Luís Albuquerque, penso que vão ter uma relação próxima, pois têm algumas características comuns fortes. São mulheres com fibra, com capacidade de decisão. Não têm medo de tomar decisões e, portanto, tenho esse sentimento de que elas se vão dar bem. É apenas um sentimento de alguém que conhece por dentro a máquina da Comissão.

Queria desejar o melhor para Maria Luís Albuquerque. É uma honra para ela e para todos nós ter a capacidade de estar sentada na mesa dos Colégio dos Comissários a representar quase 500 milhões de pessoas.

Vai dar-lhe conselhos?

Se ela me pedir, obviamente que sim. Penso que falarei com ela e tenho o maior gosto nisso, mas não sei se os meus conselhos são bons ou maus. Mas pelo menos posso contar-lhe um pouco o que é a vida de comissário.

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