Montenegro segue popular, mas chega ao Congresso do PSD com pedras no sapato

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Seria altamente improvável adivinhar, no dia 28 de maio de 2022, que o percurso de Luís Montenegro como líder do PSD passaria por uma tomada de posse como primeiro-ministro em abril de 2024.

Na época, Luís Montenegro tinha acabado de (finalmente) vencer as eleições internas de um partido recém-derrotado e tinha uma longa travessia no deserto para percorrer de quatro anos como líder da oposição de um Governo do PS com maioria absoluta. Pelo meio, multiplicaram-se as críticas à sua liderança, que se suspenderam quando o calendário foi atropelado pela queda do executivo de António Costa.

Umas eleições legislativas, duas regionais e umas europeias depois, o Governo de Montenegro, sem maioria no Parlamento, vai levando o mandato como pode, com uma linha definida com que se guia imperturbável.

Com acordos alcançados com várias classes profissionais até aqui descontentes (forças de segurança, militares, professores e até setores da saúde), Luís Montenegro procura agir rápido para mostrar trabalho aos eleitores. O peso de ver o Orçamento do Estado chumbado foi aliviado, mas há pedras no sapato que fazem mossa, umas alheias ao primeiro-ministro, e outras que poderiam ter sido evitadas.

Incêndios

A época de incêndios foi especialmente violenta este ano e levou o Governo a atravessar um verão politicamente difícil, ao juntar o país a arder com os serviços de urgência encerrados (ver mais abaixo).

O ano de 2024 foi o terceiro pior da década em área ardida, e o pior desde o traumático ano de 2017. A juntar, sete bombeiros morreram por causa dos fogos rurais.

A gestão política dos incêndios é sempre sensível e limitada. Em setembro, Luís Montenegro foi criticado ao embarcar numa lancha que foi fazer operações de resgate depois de um helicóptero se ter despenhado no rio Douro, na zona de Lamego.

O atual primeiro-ministro foi comparado a Marcelo Rebelo de Sousa, que marcava sempre presença nos teatros de operações e que levou a proteção civil a desaconselhar os protagonistas políticos a deslocar-se aos cenários de incêndio enquanto o fogo ainda estava a ser combatido.

Prontamente, Luís Montenegro rejeitou ter atrapalhado, garantindo não ter sido “motivo de nenhuma perturbação”, e reiterando que cumpriu a sua “obrigação de representar o Governo”.

Mais tarde, o primeiro-ministro deu uma conferência de imprensa onde sugeriu que há “interesses” que “sobrevoam” os grandes incêndios florestais e onde prometeu mão forte contra os “criminosos” — sem nunca explicar de onde vinha essa convicção. À Renascença, vários especialistas desmontaram essa tese.

As semanas dos grandes incêndios rurais em setembro levaram Luís Montenegro a adiar precisamente o Congresso do PSD, que se vai realizar este fim-de-semana, 19 e 20 de outubro.

Crise na Madeira

Luís Montenegro enfrenta um problema interno, ao ter de agir em relação ao atual presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque. O líder do governo regional madeirense, também do PSD, está há um ano em sucessivas eleições e está por um fio num executivo mergulhado em suspeitas de corrupção.

Depois de ter acusado o Governo de António Costa de ter caído por "indecente e má figura", Luís Montenegro tem o embaraço de ser líder de um partido que governa a região autónoma da Madeira em circunstâncias semelhantes. Apesar de já ter dito que se estivesse no lugar de Albuquerque não se teria recandidatado depois da queda do governo regional, o líder do PSD/Madeira permanece no lugar e as relações entre os dois azedam.

A somar a isso, Montenegro indicou Miguel Albuquerque para presidente da Mesa do Congresso do PSD, em 2022, e tem agora de agir. O lugar é simbólico e entregue normalmente a senadores do partido, e o atual primeiro-ministro terá de optar por mantê-lo, mantendo a paz entre PSD e PSD/Madeira; ou tirá-lo por uma questão de coerência política e arcar com as consequências — que podem ser levadas ao limite e culminar com o voto contra o Orçamento do Estado por parte dos três deputados do PSD eleitos pelo círculo da Madeira.

Saúde: urgências encerradas

O verão era o grande teste de fogo às promessas eleitorais de Luís Montenegro, que ainda como líder da oposição e em campanha eleitoral prometeu apresentar em 60 dias um plano de emergência que evitasse o cenário de urgências encerradas um pouco por todo o país.

O plano foi, de facto, apresentado. Mas o verão, já governado pela AD, não foi muito diferente do inverno, ainda governado pelo PS, e registou semanas a fio com serviços encerrados, provocados pelas dificuldades em preencher escalas em semanas favoritas para os profissionais de saúde marcarem férias.

Pelo meio, Pedro Nuno Santos atirou forte à atuação do Governo, e o primeiro-ministro devolveu criticando a “herança socialista”. Para lá do passa culpas, o inverno está a chegar e o executivo de Luís Montenegro vai ter dificuldades em continuar a justificar o presente com o passado.

Eutanásia: uma regulamentação que não existe

Para as mãos do atual Governo caiu também o dar seguimento à lei da eutanásia, promulgada pelo Presidente da República há mais de um ano e meio. A despenalização da morte medicamente assistida foi aprovada pela quinta vez no Parlamento em 2023, já depois de ter batido na trave do veto presidencial duas vezes.

Atualmente, a lei está estacionada no Tribunal Constitucional há mais de um ano e meio e, segundo o Expresso, sem data prevista para se pronunciar se a lei viola, ou não, a Constituição.

Ou seja, a bola está do lado dos juízes do Palácio Ratton, apesar de o atual Governo não ter assumido sempre isso. Ana Paula Martins, ministra da Saúde, chegou a assumir que a lei estava a ser regulamentada. Só que não estava, e teve de ser o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, a desmenti-la e dizer que a lei está ainda a ser avaliada pelo Tribunal Constitucional.

Fuga em Vale de Judeus

O mês de setembro não se ficou pelos resquícios de um verão complicado no SNS e pela violência dos incêndios. Num sábado que se apresentava calmo, o país ficou a saber que cinco reclusos tinham fugido de uma cadeia de alta segurança, na prisão de Vale de Judeus.

Os detalhes que vinham sendo tornado públicos não descansavam ninguém, só adensavam a gravidade do caso. Desde o tempo que demorou a ser dado o alerta aos contornes surreais de falhas de segurança de uma das prisões supostamente mais ríspidas do país, o Governo demorou a responder, mas colocou uma pedra no assunto.

De forma fria e eficaz, Rita Júdice, ministra da Justiça, deu uma conferência de imprensa onde assumiu que o caso é “grave” e confirmou que tinha demitido o diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais, Rui Abrunhosa, que dias antes tinha assegurado que se mantinha no cargo.

Entretanto, um dos reclusos foi apanhado, mas outros quatro continuam a monte e o caso, mesmo que não tenha tido nenhuma responsabilidade direta do Governo, expôs as fragilidades de um sistema fustigado pelo desinvestimento na área. Repetiu-se a culpabilização dos anteriores governos socialistas.

Falta de professores

Os governos mudam, os problemas não. O mês de setembro pôs a nu, mais uma vez, o problema da falta de professores na escola pública. Desde os docentes que não têm incentivos para lecionar longe de casa e optam por não dar aulas àqueles que colocam baixa assim que o ano começa, no início do ano escolar perto de 200 mil alunos não tinham professor a pelo menos uma disciplina.

Os distritos de Lisboa e Setúbal são os mais afetados, apesar de nenhum escapar à falta de professores. O Governo tem em marcha um plano que pretende reduzir em 95% o número de alunos sem aulas no final do 1.º período, mas o relógio anda para trás, e o 1.º período acaba já em dezembro.

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