«No Benfica tivemos cinco mil pessoas a insultar-nos e íamos na frente»

8 meses atrás 106

O futebol é muitas vezes um elemento de memória coletiva de uma família, de um país, do Mundo. É por isso que o zerozero, em associação com Rui Miguel Tovar, criou o DESTINO: SAUDADE. Este é um espaço onde vamos recordar histórias e momentos do desporto que nos apaixona. Haverá tempo também para lembrar jogadores de outros tempos, aqueles que nos encantaram e que nos fizeram sonhar. 

Vítor Paneira é o convidado de honra do Destino: Saudade para este Especial de Natal. Oportunidade única para revisitar uma das mais brilhantes carreiras do futebol português nos anos 80 e 90.

Três vezes campeão nacional pelo Benfica, vice-campeão europeu, 44 vezes internacional português com direito a chamada ao Euro96.

Um dos grandes futebolistas portugueses em entrevista ao zerozero. Tantas estórias e personagens em 90 minutos de conversa. Com muitas fintas curtas, sempre à procura da linha de fundo. 

Natural de Calendário, em Vila Nova de Famalicão, Vítor Paneira tem 57 anos e um percurso invejável. Um génio. No Benfica e Vitória SC, até à despedida com todo o encanto em Coimbra.

PARTE I: «Saí muito fragilizado do Benfica, mexeu bastante comigo»

«O único massacre que levei na vida foi no Marseille-Benfica»

zerozero: O Toni sempre pareceu ser um homem especial. 

Vítor Paneira: Todos temos um carinho enorme pelo Toni. É da bola. Foi jogador, sabe o que sofre o jogador e nunca se esqueceu disso. Temos a melhor profissão do mundo, mas temos de valorizá-la. Somos uns privilegiados, tudo nos passa ao lado, só temos de focar-nos. Hoje em dia é tudo muito fácil e há uma realidade que coloco aos meus jogadores: quando eu jogava, se não fosse titular, certamente não iria arranjar um clube na época seguinte. Hoje não é assim, arranjam clubes com facilidade, não se preocupam. Ligam para o empresário, dizem que estão insatisfeitos e vão ganhar mais para outro lado. Não lutam pela carreira. 

zz: 289 jogos, 44 golos, três campeonatos pelo Benfica. Há jogos grandiosos, muitos, mas consegue destacar dois ou três deles? 

qO Caniggia equipava-se ao meu lado e chegava de manhã logo cheio de gás, de blazer, sempre todo sujo e despenteado

Vítor Paneira

VP: O 3-6 de Alvalade é obrigatório, não só pelo jogo, mas pelo que o antecede. Jogámos em casa com o Estrela, empatámos 1-1 e fomos para Alvalade ameaçados. Se perdêssemos, cairíamos para o segundo lugar. Acabou o jogo com o Estrela, estávamos preparados para ir para casa e o treinador diz-nos que vamos diretamente para estágio. Até ao dérbi. Cinco/seis mil pessoas no gradeamento a insultar-nos, insultar-nos, e nós ainda íamos na frente do campeonato. As nossas famílias assustadas, mas lá fomos para o hotel. Os russos [Kulkov e Yuran] estavam suspensos, com um processo disciplinar, mas o Mostovoi era um caso à parte. Não se metia nisso. Bem, depois do choque do empate contra o Estrela, a partir de terça mudámos o chip. Havia muitos adeptos que se recusavam a entrar em Alvalade, mas começámos a ver um movimento constante na Luz. Nós queríamos calma e nos treinos era só gente, só gente, 'temos de ganhar e tal', e o jogo era decisivo. Fomos estagiar para o Guincho, viemos, passámos à frente da Luz e... ainda me emociono a falar disso. A quantidade de gente que estava ali para ver-nos, antes de irmos para a Alvalade, mexeu muito connosco. 

zz: São imagens inesquecíveis. 

VP: A seguir, na Segunda Circular, apanhámos a nossa claque a pé por lá fora. Ficámos a ferver. O estádio estava lotado, chovia. O presidente era o Manuel Damásio, estávamos a sair de uma crise financeira e ele nem ofereceu prémio para esse jogo. Não foi por isso que não fizemos tudo para ganhar. O prémio é só um incentivo. O Sporting estava com umas expetativas altíssimas, acreditava que ia ganhar o jogo com facilidade e fez um golo cedo de bola parada. Reagimos bem, o João V. Pinto a partir dos 20 minutos começa a aparecer. Tínhamos uma mentalidade que nos obrigava a atacar e por isso também tínhamos alguma dificuldade em saber defender. Não éramos fortes nisso, porque não trabalhávamos esse elemento do jogo, um elemento importante, claro. Como passávamos grande parte do tempo a atacar, a dominar, acabávamos por não ser fortes nisso. O 3-1 em Londres ao Arsenal, o 4-4 em Leverkusen. Diziam-nos que tínhamos sempre de marcar mais um, era isso que me era passado. Claro que o futebol mudou e é importante defender bem.

zz: O Sporting libertou o flanco do Vítor Paneira e deixou de defender bem nesse dérbi. 

VP: Pois, o Paulo Torres saiu ao intervalo. Começámos a aproveitar tudo, fomos atrás do sétimo para vingarmo-nos do 7-1. Sentíamos o sangue no Sporting, passámos a sentir que eles estavam mortos e perdidos, queriam muito ir à toa para cima e fomos letais. 

zz: O 2-3 nasceu até de um livre do Vítor. 

VP: Fiz o cruzamento para a zona do segundo poste, sim. O Isaías amorteceu e o João [VP] marcou. A segunda parte foi um passeio. 

Vítor Paneira contra Papin no Benfica-Marseille da «mão de Vata» @Getty /

zz: Estamos a olhar para o cromo do Vata nesta caderneta. O Vítor também esteve nesse fundamental Benfica-Marseille. O Vata continua a jurar que não fez golo com a mão. 

VP: Eu estava mesmo atrás do Vata, acho que era eu que iria marcar o golo (risos). O Vata continua a jurar isso. Nós chamamos-lhe mentiroso, mas ele nega toda a vida, é muito engraçado (mais risos). Eu estava atrás dele e vi-o a marcar de mão, mas ele vai jurar isso até à morte. 

zz: Nesse Marseille estava o Mozer. 

VP: O Marseille tinha o claro objetivo de ganhar a Taça dos Campeões Europeus. Tinham uma super-equipa. Na segunda parte, em Marselha, levámos um arraso e no fim o Valdo quase que fazia golo, sem saber ler nem escrever. O Lima fez o nosso golo lá, de cabeça, numa bola parada. Depois, sim, foi o único massacre que me lembro de levar. Papin, Francescoli, Waddle.  

zz: O Mozer tratou-vos muito mal? 

VP: Não, tranquilo. Teve lá uma entrada para me partir a meio, só isso (risos). 

zz: Mas comparada com aquela ao Semedo...

VP: Ui, essa foi impressionante. O FC Porto tinha grandes equipas também. E o Semedo era um jogador fino, calminho. Mas nesse Benfica-Marseille estavam mais de 120 mil pessoas, foi o fim do mundo. Houve um livre frontal para eles e o estádio não respirou durante dois minutos. Nós estávamos avisados para evitar essas faltas, por causa do Francescoli. Mas acabou bem. 

«Fiquei cara a cara com o Buffon, marquei um golo e entrei na história dele»

zz: Poucos sabem que o primeiro golo sofrido pelo Gigi Buffon nas provas da UEFA foi marcado pelo Vítor Paneira. 

VP: É verdade, num Vitória-Parma. Perdemos 2-1 em Itália, fizemos um belíssimo jogo contra um fortíssimo Parma, treinado pelo Carlo Ancelotti e na altura uma das melhores três equipas de Itália. Ficámos com a sensação de que podíamos virar em Guimarães. Assim foi. A nossa ala direita era terrível e marquei um golo pelo corredor central. Fiquei cara a cara com o Buffon. Ficou na história esse 2-0

zz: Esse Vitória tinha muita qualidade. 

VP: O Jaime Pacheco teve o mérito de soltar a equipa e de a meter a jogar ao ataque. Sabia da capacidade que os jogadores tinham. O Capucho só baixava até ao meio-campo, depois estava eu e o José Carlos, o Marco Freitas era um bom médio defensivo - chegou a passar pelo Benfica -, posicionava-se bem e era agressivo. Dali para a frente era triangular e soltar o talento. O Ricardo Lopes era um excelente avançado e para '9' havia o Edinho e o Gilmar. Diferentes, o Gilmar era mais agressivo e forte no jogo aéreo e o Edinho mais forte a atacar o espaço. Lembro-me de ver o Pimenta Machado a fazer os esboços da equipa num papel (risos). 'Se não jogarmos para sermos campeões, não andamos aqui a fazer nada'. 

Vítor Paneira
5 títulos oficiais

zz: Qual a diferença de ambiente entre o Benfica, e a Luz, com Guimarães? 

VP: Guimarães tem adeptos ímpares. Esqueçam os outros clubes e os sentimentos pelos outros clubes. Claro que haverá lá gente que gosta de outros emblemas, até me lembro de uma tentativa de abertura de uma Casa do FC Porto, logo morta à nascença (risos). Eles são muito exigentes, vivem o Vitória e a cidade ao limite, valorizam muito o que é deles e isso é espetacular. A cidade é lindíssima e por isso acho que poderia crescer de uma forma diferente. Gostava de ver as pessoas dos adversários a chegar lá e a desfrutar da cidade, e às vezes o futebol condiciona. As pessoas de fora têm receio, medo. Não vão a um restaurante com os cachecóis dos seus clubes, são incomodados. 

zz: Esta caderneta é engraçada e até tem uma análise individual aos atletas. No seu caso, considera-o «fundamental» para o Benfica. Época 93/94. Quem destacaria nesta equipa campeã? 

VP: O saudoso Neno. Joguei dez anos com ele, se calhar fui o jogador que mais tempo jogou com ele. Marcou-nos a todos e vai marcar-nos para toda a vida. Falamos sempre sobre ele com carinho. O João V. Pinto jogava muito à bola, o Rui Águas era um grande ponta-de-lança, o Isaías, o César Brito, o Yuran, o Ailton, reparem só nestas soluções de ataque. E o Rui Costa cá está. 

zz: Não era mau também. 

VP: (risos) Jogava muito, uma elegância fantástica. O Hélder era um bom central, na direita havia o Veloso e o Abel Xavier, na esquerda era o Schwarz e o Veloso às vezes. No 6-3, o Abel até jogou no meio-campo, inicialmente ele era médio defensivo. 

zz: Na final do Jamor, nos 5-2 ao Boavista, o ataque do Benfica era de luxo: Vítor Paneira na direita, Futre na esquerda, Rui Costa a apoiar Rui Águas e João V. Pinto. Cinco assim, sem o Isaías, que só foi suplente utilizado. 

VP: Acho que nem jogámos com médio defensivo... ah, foi o Paulo Sousa. E o Boavista tinha uma equipa fortíssima também. O Ricky e o Nelson Bertolazzi foram os avançados lançados. O Boavista tinha grandes plantéis, mérito do major Valentim, tal como do Pimenta em Guimarães. 

«A atmosfera nas Antas era muito mais hostil do que em Alvalade»

zz: Já falámos do Toni e do Artur Jorge. Falta-nos recordar com mais detalhe os senhores Eriksson e Ivic. 

VP: O Ivic chegou numa fase já desgastada e não trouxe adjuntos dele, embora o Toni lhe tivesse sido sempre fiel. Senti-o algo perdido, trocava várias vezes a posição aos jogadores. Não sei se seria para surpreender, mas durou pouco no Benfica. Foi despedido depois de um jogo contra o Famalicão. Boa pessoa, cordial, foi incapaz de repetir o sucesso que teve no FC Porto. 

zz: E o Eriksson? 

VP: Foi o meu segundo treinador no Benfica, depois do Toni. Veja-se bem, o Toni foi campeão, finalista europeu e teve a humildade de voltar a ser adjunto. O Eriksson era fabuloso, não maçava ninguém, era um homem prático. As palestras dele duravam poucos minutos. O Toni analisava a equipa adversária, depois o Eriksson tomava a palavra e dizia 'pressão alta, pressão alta, jogar, jogar, ganhar, nada mais'. 

zz: Foi assim a palestra no famoso FC Porto-Benfica (0-2) dos golos do César Brito? 

VP: Uma semana antes nós tínhamos ido às Antas para a taça e perdemos 2-1. No Porto o ambiente era muito hostil e íamos preparados. Lá, as coisas eram muito mais do que um jogo de futebol. 

zz: Mais do que em Alvalade? 

VP: Muito mais. O meu rival no Benfica nunca foi o Sporting, foi o FC Porto. Foi com eles que dividimos as conquistas. Mas, para as pessoas de Lisboa, o grande rival era o Sporting. O Benfica não tem rivais, tem adversários, mas creio que percebem a ideia. Nesse jogo nas Antas equipámo-nos no corredor, no túnel, em cima uns dos outros. O jogo era decisivo, recordo-me que o Rui Águas estava em dúvida e nem foi para aquecimento. Antigamente escondiam-se essas coisas, depois o Rui até foi titular, mas não estava em boas condições. Fizemos um jogo muito competente, muito cara a cara, até haver uma saída nossa pela direita, fiz o cruzamento e o César era fortíssimo a atacar aqueles cruzamentos, embora não parecesse. 

zz: E o ambiente nas Antas? 

VP: É engraçado, porque nós achávamos que tínhamos poucos adeptos, não se ouvia nada. De repente, fizemos o primeiro golo e atrás da baliza saltou muita gente. Com o segundo, ui, foi gente a saltar por todo o estádio (risos). Estavam meio escondidos, meio amedrontados, mas com os golos soltaram-se. 'Se apanhar agora porrada, apanhei'. 

zz: O FC Porto foi muito bem bloqueado pelo Benfica nessa tarde, apesar de o Benfica não ser a tal equipa forte a defender. 

VP: Nós controlámos o jogo do FC Porto no meio-campo, não foi a defender. O FC Porto criou muito pouco. O Eriksson gostava muito de pressionar, subir as linhas, e nesse jogo isso resultou muito bem. Começámos a sentir o desconforto no FC Porto e aproveitámos. 

zz: Esse é o jogo da vida do César Brito. 

VP: Ele até fez depois uma bela carreira em Espanha, no Salamanca. Ia com alguma regularidade à seleção. Era um excelente suplente, entrava sempre com um espírito muito positivo, não amuava. O César acreditava sempre que podia mudar alguma coisa. Nesse jogo foi muito bem lançado pelo Eriksson e fez esses golos em poucos minutos. Eles ficaram desesperados, começaram a dar umas pauladas e nós gerimos (risos). 

zz: Não foi um Mozer-Fernando Couto 2-0, mas parecido. 

VP: Esses dois faziam faísca. É engraçado, porque pouco depois desse famoso jogo, o Mozer e o Fernando encontraram-se. A seleção foi jogar à Luz e o Mozer estava no ginásio. O Fernando ficou receoso que houvesse algum problema, mas entrou e o Mozer foi ter com ele, deu-lhe um abraço. 'Ei, Fernando, tudo bem cara? Se precisar de alguma coisa, estamos aqui'. O Mozer, no campo, intimidava. Intimidava mesmo. O Schwarz era mau - uma vez pisou o Peixe todo, num Benfica-Sporting. O Mozer era diferente. Chegava ao túnel, antes do jogo, mostrava os pitons de alumínio e começava a raspá-los na parede. Ao lado dos avançados, para eles verem bem (risos). 

Paneira tenta desarmar Chris Waddle na Luz @Getty /

zz: Mudemos de tema, Vítor. O que se passou no dia em que se foi apresentar para cumprir serviço militar? 

VP: Bem, fui considerado refratário [alguém que resiste à autoridade]. As leis militares são diferentes das civis. O meu advogado era o João Rodrigues, que mais tarde foi presidente da federação. Em vez de me apresentar à uma da manhã, apresentei-me às dez da manhã. O comandante do quartel disse que me ia dar uns castigozitos de fim-de-semana, mas o João Rodrigues não gostou. 'Vamos ver e tal...'. Bem, fui dado como refratário. E eu até estava a representar a seleção, não fugi de nada, estava a defender o meu país. Fui condenado a três meses e meio na prisão do quartel, ali na Casa da Reclusão, na Constituição. Por bom comportamento, saí a meio da pena. Foi um mês e meio no período de férias. Houve ali uma precipitação. 

zz: O Benfica defendeu-o? 

VP: Acho que sim, defendeu-me. Houve ali coisas que não entendi, não sei se quiseram fazer de mim um exemplo. Eu estava a defender o meu país, não ia fugir à tropa. Estava a prestar um serviço a Portugal. Acabei por não perder a fase inicial da época, foi na altura em que entrou o Eriksson. De manhã ia para a tropa, à tarde treinava. A minha recruta foi na Carregueira, depois fui para Belém e cumpri assim a tropa, depois do mês e meio preso. 

zz: Isso foi em que ano? 

VP: Foi em 1990. 

zz: Houve um golo do Vítor ao PreudHomme na Luz, à Bélgica, um pouco antes. Na qualificação para o Mundial de 1990. 

VP: Empatámos esse jogo, o Silvino deu uma frangalhada. Não era costume, ele era um guarda-redes bastante sóbrio, mas aconteceu. Fizemos um belíssimo jogo contra eles e a Bélgica era favorita. O meu golo até foi de pé esquerdo (risos). 

zz: Que diferenças havia nesse tempo de Seleção?

VP: A Seleção jogava cá, a minha família tinha bilhetes e poucos queriam ir ao estádio ver o jogo. Hoje em dia, as pessoas pagam bem para verem a Seleção, lutam pela Seleção. As coisas começaram a mudar com o Carlos Queiroz, sem que ele o tivesse conseguido totalmente, e depois com o Scolari. Quando eu jogava, estar na Seleção era quase um escape. A primeira coisa que fazíamos era levar uma carta do médico do clube a dizer que precisávamos de repousar dois ou três dias. Corríamos um bocadinho, recuperávamos, não havia o espírito de Seleção. E tínhamos grandes jogadores. Antes de mim, Oliveira, Diamantino, Carlos Manuel, que fizeram isoladamente o Euro84. Talentos inacreditáveis. O Chalana, Jordão, Manuel Fernandes, gente incrível. Gostávamos de ir à Seleção, mas não havia o espírito de querer mesmo ir ao Mundial. Felizmente, a partir de dada altura isso mudou e basta ver como se trabalha na FPF. Nós íamos para lá, quase para descontrair durante dez dias. Dávamos tudo, mas o que rodeava a equipa não era o que se exige numa seleção.

«'Ó Paneira, o lateral esquerdo quando te vir pela frente até foge de ti'»

zz: Em Guimarães, ainda foi treinado pelo mítico Quinito, uma enorme personagem.

VP: Já estiveram com o Quinito? Não? Se tiverem oportunidade, acho que o devem entrevistar. Ele teve uma perda irreparável para um pai, mas agora está melhor e já começou a sair de casa. O Quinito devia deixar o registo dele em conversa. Era espetacular ouvi-lo a falar de futebol. É a pessoa mais leve que pode haver, as palestras dele começavam assim…o massagista punha-lhe álcool nas mãos e ele esfregava-o nas barbas. ‘Isto hoje é que vai ser!’. Fomos jogar à Luz e ele disse-nos: ‘Vai ser fácil, vamos jogar 11 contra 10’. Não percebemos. ‘Sim, o Michael Thomas só joga para trás e para o lado, não conta. Temos de ganhar este jogo’. Não é que perdemos 1-0 e o gajo que marcou o golo foi o Thomas? (risos). Ele não construía, não arriscava, mas fez um remate fraquito e lá marcou um golo. ‘Hoje vai ser fácil, eles são fracos, fracos!’. Quando subia a um relvado bom, virava-se para nós e dizia: ‘Uiiiiii, quem não jogar aqui, não joga em lado nenhum’.

zz: O Quinito era mesmo único.

VP: Havia um senhor que via os treinos do Vitória e tinha um restaurante. O homem andava sempre com vontade de nos pagar uma arrozada de frango. Até ao dia em que tínhamos de ir a Lisboa para jogar com o Sporting. O Quinito disse-lhe que íamos lá almoçar e que a seguir arrancávamos. Como vocês sabem, essa comida puxa a umas copadas. Bem, lá fomos para Lisboa, de barriga cheia. Hoje é impossível, mas ele era assim. No dia a seguir ganhámos em Alvalade, num jogo em que o Oceano até acabou à baliza. Com ele não havia problema nenhum, estava sempre descontraído.

zz: E o grupo lidava bem com isso.

VP: Para ele o jogo estava sempre ganho, o adversário não valia nada. ‘Ó Paneira, o lateral esquerdo quando te vir pela frente até foge de ti’. Para ele não havia confusões nenhumas. Se era para não haver treino, não havia treino. Sentava-se com o cigarrito a ver o treino, se havia um grande golo… ‘ei, ei, acabou, acabou, todos embora’.

zz: Como é que surge a alcunha ‘Paneira’?

VP: O meu pai era filho de um namoro. E o pai dele, veio-se a saber, era o Aníbal ‘Paneira’, que tinha padarias. O meu passou a ser o Augusto, filho do ‘Paneira’, e comigo aconteceu um bocado o mesmo. Era o filho do ‘Paneira’. Até gostei e ficou até hoje.

zz: Vamos acabar com esta caderneta de 1994. Estão aqui dois cromos importantes: PreudHomme e Caniggia, internacionais e mediáticos.

VP: Há quem diga que o PreudHomme foi o melhor guarda-redes de sempre do Benfica. Para mim, continuo a dizer, foi o Manuel Bento. O PreudHomme aparece como segundo melhor. O Caniggia foi meu colega de balneário, equipava-se ao meu lado e chegava de manhã logo cheio de gás (risos). Sempre todo sujo, despenteado, de blazer, casaco. Tinha muita qualidade, mas a equipa não ajudou. Nessa época, a equipa já estava um bocadinho diluída, já não tinha a qualidade das anteriores. Era uma boa equipa, mas não uma das grandes equipas do Benfica.

Portugal

Vítor Paneira

NomeVítor Manuel da Costa Araújo

Nascimento/Idade1966-02-16(57 anos)

Nacionalidade

Portugal

Portugal

PosiçãoMédio (Médio Direito) / Avançado (Extremo Direito)

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