Este foi um dos casos descritos pela inspetora principal da Segurança Social Sónia Vieira, a primeira testemunha a ser ouvida neste processo que começou a ser julgado no dia 23.
A Obra Diocesana do Porto (ODP) e seis ex-dirigentes e funcionários estão acusados de inventar, duplicar e adulterar listas de utentes para burlar a Segurança Social em 3,3 milhões de euros, entre 2009 e 2015.
Durante toda a manhã, a inspetora descreveu algumas das provas que sustentam este processo, revelando que as alegadas irregularidades ocorreram nas várias respostas que os equipamentos da Obra prestam em diferentes freguesias do Porto, desde a creche até ao apoio a idosos.
Foram registadas situações de crianças inscritas em simultâneo em dois equipamentos diferentes, comparticipadas pela segurança social nos dois, sendo que em alguns casos não frequentavam nenhum, casos de idosos que faleceram e continuaram durante meses nas listagens para comparticipação e a situação de uma mulher de 38 anos inscrita numa creche em 2010.
Todos os casos semelhantes ao desta mulher foram investigados pelos inspetores da Segurança Social para esclarecer se, eventualmente, "tinham algum filho a frequentar aquela valência, mas em muitos casos isso não acontecia".
"Podia dar-se o caso de usarem o número da Segurança Social de um dos progenitores, o que seria legítimo, mas em muitas situações isso não ocorreu, muitos nem nunca tinham frequentado nenhum dos equipamentos da ODP", disse a inspetora, que continuará a ser ouvida durante a tarde.
Sónia Vieira disse ainda que a Obra era obrigada a fazer a correção e comunicar mensalmente todas as alterações à Segurança Social, mesmo aquelas em que o utente teve de ser hospitalizado por um período de tempo, mas isso "não aconteceu".
As listagens eram apresentadas, até 2012, em documento Excel e só a partir de 2013 foi criada uma aplicação informática que já permitia a partilha de dados entre diferentes organismos do Estado.
Segundo a acusação, datada de 2020, os arguidos usaram vários esquemas para obter comparticipações da Segurança Social, desde o recurso a utentes já falecidos, ou que nem sequer existiam, "emprestavam" utentes entre os vários centros sociais que geriam, além de colocar nas listas idosos ou crianças que não cumpriam os requisitos de idade para frequentar os centros sociais.
Foram destacados também casos de crianças que apareceram como frequentando o ensino pré-escolar quando não tinham idade para tal, ou de utentes em listas de frequentadores de centros de dia quando não tinham ainda os 65 anos, idade que a Segurança Social estabeleceu como mínima para usufruir daquele serviço.
Segundo um dos advogados que representam a Obra Diocesana, "a análise àquelas listas não pode ser feita de forma cristalina".
"Por exemplo, quem definiu a idade para frequentar aqueles serviços foi a Segurança Social, através de um e-mail, mas a lei não fixa idade mínima de acesso ao lar ou centro de dia, ou apoio domiciliário", explicou Rui Barreira, no início do julgamento
A Obra Diocesana reconheceu, em comunicado, existirem "irregularidades na receção de apoios concedidos, salientando que o MP "não regista indícios de apropriação indevida de montantes por parte de qualquer dos arguidos (pessoas singulares) em seu benefício pessoal e particular".
Entre 2009 e 2015, terão comunicado 436 utentes falecidos à Segurança Social e, no total, foram milhares de falsificações que permitiram à instituição receber mais de 3,3 milhões de euros, dos quais cerca de 361 mil já foram devolvidos ou regularizados.
Fundada em 1964, sediada no Porto e localizada em bairros sociais desta cidade, a Obra Diocesana de Promoção Social presta apoio a cerca de dois mil utentes e é constituída por 12 centros sociais contemplando 55 respostas, entre as quais creches, estabelecimentos de pré-escolar, centros de atividades e tempos livres, centros de dia e de convívio, serviço de apoio domiciliário, cantinas sociais, centro de apoio familiar e aconselhamento parental.
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