Paulo Catarino, o «Miura português», joga aos 52 anos: «Tenho dificuldade em imaginar o final»

2 meses atrás 72

Frequentemente apontamos a zona entre os 35 e os 38 anos como a altura comum para os jogadores terminarem as suas carreiras profissionais, mas há casos que, cada vez mais, contrariam essa teoria. Esta podia ser uma reportagem sobre Cristiano Ronaldo ou Pepe por exemplo, mas ao invés disso é sobre Paulo Catarino, uma lenda do nosso futebol que, aos 52 anos, se prepara para a sua last dance. É o nosso Kazu Miura.

Paulo é um daqueles velhos apaixonados pelo futebol. Começou a jogar a nível sénior em 1990 - ainda Portugal não era presença comum nas competições internacionais, tal a distância temporal - e desde aí (praticamente) não parou - salvo umas épocas de exceção.

Desde aí representou um total de 31 clubes (32, se contarmos com a sua mais recente aventura, que começará em 2024/25), sendo que apenas sete deles por mais do que uma ocasião e experimentou TODAS as divisões nacionais, desde a última divisão distrital, à elite do futebol português - em 1999/00, ao serviço do «seu» Vitória FC. A única que lhe faltou foi a «nova» Liga 3, criada há apenas três anos.

Recentemente, surpreendendo apenas os mais distraídos, foi anunciado como reforço do Botafogo Cabanas, da 1ª Divisão da AF Setúbal, mostrando que quer prolongar a sua contagem de 317 golos. Não podíamos, por isso, perder a oportunidade de conversar com Paulo, que nos confessou que esta pode mesmo ser - embora deixe abertura a surpresas - a sua última temporada de uma longa e honrada carreira.

@Facebook Paulo Catarino

Zerozero (ZZ): Aquando do anúncio no Botafogo FC, disse que esta seria a sua última temporada. A decisão é definitiva ou acha que pode voltar a mudar de ideias no final da época?

Paulo Catarino (PC): A minha ideia é que seja a última, mas já tinha dito istro noutras alturas e acabo por continuar. Os clubes, felizmente, continuam a fazer-me convites e a paixão é tão grande que vou adiando o fim. A não ser que aconteça algo extraordinário a meio da época ou que surja a oportunidade de concretizar outro sonho qualquer, esta será a última. Dizemos sempre que será a última, mas vamos ver. Quero viver o dia a dia.

ZZ: Quando surgiu essa decisão? E Porquê?

PC: Tenho muita dificuldade em imaginar o final da carreira. Já estou a imaginar o final da carreira desde os 32 anos. Na altura já diziam que era velho. Passaram 20 anos. Tenho dificuldade em perceber o que será a minha vida sem o futebol. Está-me a custar muito. Felizmente tenho uma forma física que me permite jogar. Estou a tirar frutos de nunca ter bebido, fumado e de ter tido uma alimentação equilibrada. Raramente fazia noites quando era profissional. Sinto-me bem, em condições. Obviamente não faço o mesmo que os jovens a nível físico, mas a nível de mentalidade estou perfeitamente em condições de render.

ZZ: O que é que a sua família lhe disse quando anunciou essa decisão?

PC: Já estão habituados [risos]. A minha esposa sabe que a minha vida é isto e que sem o futebol a minha disposição anímica será muito diferente. Ela sabe que o jogo de competição, seja em que divisão for, me fascina. O facto de fazer golos, especialmente. O Fernando Gomes dizia que o golo era como ter um orgasmo e hoje em dia o futebol está com ejaculação precoce, porque um jogador marca e um minuto depois o golo é anulado pelo VAR. Quem não jogou à bola, não sabe o que é interromper um festejo. Acho que o futebol está a perder a beleza, em prol das paranoias, das táticas excessivas e a perder a criativa e qualidade. Tenho pena.

ZZ: O que faz além do futebol?

PC: Desde que deixei o futebol profissional, porque não ganhava o suficiente para viver só do futebol, fui treinador adjunto em vários clubes, algum tempo. Desde há sete meses, porque não estava a gostar do caminho que o futebol estava a levar em termos de treino e futebol praticado, surgiu uma oportunidade de trabalho, experimentei e gostei. É um ramo novo e bastante diferente. Estou num gabinete de apoio social. Está-me a agradar bastante poder ajudar pessoas que o Mundo não quer saber, com problemas de álcool, problemas familiares, tudo o que é problemas sociais. Prestamos apoio, financeiro, emocional. Ainda por cima a ajudar pessoas da minha terra e do meu bairro. Estou muito feliz. Logicamente que preferia uma oportunidade de estar no futebol, mas, infelizmente, o futebol não dá para todos em termos de treinadores. Optei pelo melhor para mim e para a minha família.

Paulo cumpriu promessa à mãe @Facebook Paulo Catarino

ZZ: Mesmo com 52 anos, vai jogar federado, tendo o seu trabalho. Como é o seu dia a dia? Há algum tipo de preparação extra?

PC: Faço o que sempre fiz. Nos escalões mais baixos não há a possibilidade de treinar todos os dias, como quando era profissional e continuo a fazer ginásio todos os dias. Nos últimos dois anos joguei num campeonato onde só jogava. Neste momento o treino é algo que desgosto, porque 90 por cento são treinos estáticos, muito chatos para o jogador. Os miúdos não dizem isso porque senão não jogam. É muito informação, muito tático, muito diferente do que fui habituado, onde havia paixão e emoção. Hoje em dia fazem as coisas porque são obrigados a fazer. Eu já não tenho paciência para treinar e o Botafogo deixou-me muito à vontade nisso. Se quiser ir treinar uma, duas ou três vezes vou. Isso é muito importante para mim, com a chegada do meu neto.

ZZ: A sua carreira profissional começou há 34 anos. Passou por todas as divisões nacionais, incluindo a Primeira Liga. Sente-se concretizado? Falta fazer algo?

PC: Falta sempre alguma coisa. Não foi estudado para ser assim. Foram acontecendo. Comecei na última divisão distrital como sénior e tive que subir muitos degraus até à Primeira Liga. Tive que fazer muita coisa, que hoje em dia é mais fácil, com empresários e afins. Tive que estar muito dedicado e marcar muitos golos. Fiz tudo o que me propus. Cheguei à Primeira Liga, cheguei ao meu Vitória FC, o clube da minha cidade, consegui fazer os 300 golos que tinha prometido à minha mãe. Não me enriqueci no futebol, mas nunca joguei por dinheiro e sim por amor. Abdiquei de muita coisa onde podia ganhar mais dinheiro para ficar mais próximo da minha família. Nunca joguei num grande, mas estou muito feliz com o que fiz, quase sem ajuda nenhuma.

qTinha que cumprir a promessa feita à minha mãe, nem que jogasse até aos 60 anos

Paulo Catarino

ZZ: Em jeito de brincadeira, dizemos que o Paulo é o nosso Miura. Gosta da comparação?

PC: Não gosto muito [risos]. O Miura é um caso específico. É um jogador com condições financeiras para jogar onde quer que queira. Mesmo com a idade que tem, percebemos como foi jogar para onde foi. Eu não. Eu jogo por amor. Tenho que render, senão as pessoas não me queriam. É um jogador que respeito muito. Tenho muito orgulho de ser o jogador do mundo inteiro que representou mais clubes [o nosso Playmakers Stats confirmou e Paulo não é recordista, mas não está longe]. Tenho uma carreira bonita e que me honra muito.

ZZ: Em 2019 cumpriu a promessa que fez à sua mãe e chegou aos 300 golos na carreira. Quando a fez?

PC: Foi feita na altura em que descobrimos que a minha mãe era portadora de Alzheimer. Teve uma quebra, começou a ficar meio perdida e foi hospitalizada. A partir dessa altura eu já sabia que ia perdê-la aos poucos. Tenho uma enfermeira em casa e lida com isso todos os dias. A minha mãe era a minha fã número 1. Era tudo na minha vida. Fiz essa promessa a poucos dias de ela perder os sentidos de vez. Tiveram que lhe dar morfina para ela ficar calma e partir em paz. Cada golo que eu fazia ela recortava dos jornais e guardava na carteira. Tinha que cumprir, nem que jogasse até aos 60 anos…

ZZ: Foi especial quando alcançou essa marca?

PC: Foi muito especial. Tive muito pena de ela já não estar cá. Alivia-me mentalmente ter cumprido com o prometido. Foi o momento mais especial da minha vida.

ZZ: Chegou a uma idade onde já o seu filho Pedro também atua – esteve no Vitória FC em 23/24. Era um objetivo seu ao longo da carreira que coincidissem?

PC: Já tive o prazer de jogar contra ele, quando ele estava no Comércio e Indústria e eu Brejos de Azeitão. Jogámos no mesmo campeonato. Depois joguei contra ele novamente na 1ª Distrital, quando estava no Fc Setúbal e ele no Águas Moura. Ele ganhou-me sempre e marcou sempre [risos]. Estava motivado para dar cabo do velho. Era um dos meus objetivos de vida jogar com ele. Não o consegui, mas joguei contra ele

ZZ: Faltou jogarem na mesma equipa? Ou ficou feliz por já o ter treinado (em 22/23, no Comércio e Indústria)?

PC: Era treinador principal no papel, mas adjunto na realidade. Fomos busca-lo a meio da época e deu-nos uma grande ajuda. Só faltou jogarmos na mesma equipa. Por um lado ainda bem. Era sinal que estava em escalões mais altos. Subiu agora à Liga 3 com o Vitória FC, mas tem uma situação algo indefinida, pelos motivos que sabemos. Tenho pena, porque era um salto que ele merecia. Vê-se obrigado a dar uns passos atrás. Ele tinha o mesmo sonho que eu, de jogar no Vitória FC e marcar no Bonfim. Conseguiu-o, como o pai. Acredito que ele tem qualidade. É vontade dele não abandonar o clube, apesar da sua situação.

Paulo junta paixão...e diversão em campo @Facebook Paulo Catarino

ZZ: Que objetivos pessoais tem para esta época?

PC: Tenho que fazer um golo, pelo menos, para dedicar o meu neto. É a minha vida, neste momento. O pai tem a sua vida e o neto é uma paixão fora do normal. É a principal motivação. Se conseguir fazer mais uns quantos golos, terei oportunidade de dedicar à minha mãe. Prometi que lhe dedicava todos os golos e vou só abrir uma exceção ao meu neto. O meu objetivo é ajudar os miúdos. Não vou para ali para jogar. Já falei com o treinador e sabe o que eu quero. Mesmo que jogue, quero é ajudar, porque o futuro é deles. Isso para mim é muito futuro. Se um sair dali para um patamar maior, fico muito feliz.

ZZ: Continua a ter esse lado de adjunto?

PC: Sim. Como adjunto criei ligações fortes aos jogadores. Prova disso são jogadores como o Stephen Eustáquio e o Ricardo Esgaio, que falamos com frequência. Jogadores que ficaram no coração, como muitos outros. Como adjunto crias uma ligação muito mais forte do que o principal. Tinha muito jeito para isso.

ZZ: Mas acha que não vai voltar a essa vida?

PC: Sinceramente, acho que não. As pessoas do futebol, como eu, foram-se afastando por causa disto do futebol moderno. Hoje em dia tens que saber mexer em computadores, tens que tirar cursos que são caríssimos. Tenho o 2º nível e neste momento não posso tirar mais porque não consigo tirar do orçamento familiar 10 mil euros para dois cursos. É impensável. Há muita gente que entra e tira o lugar aos que fizeram do futebol vida. Muito computador, muito GPS, muita coisa inútil na minha opinião.

ZZ: Para finalizar, consegue destacar os melhores momentos que teve numa carreira tão duradoura?

PC: O golo 300 é dos mais importantes. A chegada ao clube da minha cidade e da minha família, o Vitória FC, à Primeira Divisão era o sonho de todos nós. Os meus falecidos irmãos eram doidos pelo Vitória. Foi dos momentos mais altos, porque deixei muita coisa para vir para aqui, para concretizar esse sonho, que tinha desde miúdo. Foi uma carreira onde todos os anos fiz amizades e conheci pessoas extraordinárias. A minha chegada a Amarante foi marcante, pela forma como me receberam e trataram. Fui tratado bem em todo o lado, não tenho uma coisa a dizer, seja de presidente ou senhoras da limpeza e roupeiros. Tenho toda a gente no coração. Não faz a ideia da quantidade de pessoas que conheci e que hoje continuam a falar comigo. Para mim é impagável

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