Pisaram palcos de renome e dão cartas na distrital: «Tive clubes da I Liga a ver os meus jogos»

3 horas atrás 15

O assunto é sério independentemente da divisão e tem um impacto maior à medida que descemos de patamar competitivo. Entre notáveis das divisões inferiores como Bock ou Pires, surge também Everton, nome que em tempos causou mossa no principal campeonato neerlandês e que não perdeu pela demora a falar ao zerozero. 

Mateus, internacional angolano com passagens impactantes por Nacional e Boavista, é outro caso sério destas aptidões e, tal como o matador brasileiro, também ele se juntou à causa em conversa com o nosso portal.

Ofício fino com toques de nicho dada a raridade de manter os abana-redes nestes escalões, decidir pelo golo é uma arte que muitos procuram preconizar desde baixo para que voos maiores possam surgir. Inversamente, Everton permanece como a antítese perfeita desta tendência e, já na casa dos 40, marca a diferença - longe dos grandes palcos que pisou outrora - ao serviço do Pedras Rubras, líder da AF Porto Divisão de Elite 1ª Fase.

Lenda dos neerlandeses do Heracles Almelo e ainda hoje melhor marcador do clube na Eredivisie, Everton encontrou no retângulo à beira-mar plantado a serenidade necessária para começar a preparar os passos que estão por vir depois da carreira de futebolista. Corria então o ano 2018.

«Estava cansado da dinâmica entre hotel e viagens»

«Tive propostas do Brasil melhores do que a do Cinfães [clube para o qual se mudou em 2018/19], mas estava cansado da dinâmica entre hotel e viagens. Isso para mim não dava mais. No Brasil, tínhamos a concentração, jogava, voltava, passava dois dias no hotel e voltava à rotina e acredito que na I e II Liga daqui também seja assim», explicou o ponta de lança.

Everton foi figura maior do Heracles entre 2006 e 2013 @Getty Images

Autor de 13 golos na primeira aventura em solo nacional, o ingresso nas divisões de Elite da AF Aveiro e AF Porto foi o passo que se seguiu, depois de aventuras menos prolíferas com as cores do USC Paredes e do Pedras Rubras, ainda no Campeonato de Portugal. 

O regresso ao emblema maiato deu-se esta época por uma questão de proximidade de habitação, mas, até este último passo, Everton fez a diferença em projetos de sustentação ou de subida - não consumada -, no caso da Ovarense. Questionado pelo zerozero, o avançado garantiu que vai continuar a fazer golos, embora o foco, neste momento, esteja na responsabilidade de ensinar os jovens.

«O Pedras Rubras tem meninos novos com muita qualidade e isso vai ajudar-me a fazer mais golos. A ideia é ajudar a equipa a subir de divisão e, sobretudo, ajudar os mais novos. Tenho conversado bastante com muitos deles, a maioria com 22, 23 anos... Tenho ajudado, não só dentro de campo, mas também fora. Acredito que eles escutam bem», desvendou.

E terá esta natureza pedagógica ajudado à performance goleadora de Gonçalo Semedo, melhor marcador da Divisão de Elite da AF Aveiro em 2023/24 e antigo colega de Everton na Ovarense?: «O Semedo já estava lançado! É muito inteligente e a minha ideia foi fazer exatamente o que aconteceu: movimentações para que os centrais me marcassem para que ele ficasse livre. Tentava jogar mais perto dele para que pudesse ter chances de golo e foi o que aconteceu.»

«Mais uns golinhos e terminar a carreira... com títulos»

Um relação quase paternal entre avançados que conhece novo capítulo esta época, com outros intervenientes e uma certeza dada por Everton, do alto dos seus 41 anos: «Acredito que consiga fazer mais uns golinhos e terminar a minha carreira... talvez com títulos.»

Capitão no regresso ao Pedras Rubras, Everton cumpre a última temporada dentro de campo @Pedras Rubras

Acumulados 68 golos nas últimas três épocas - a contar com os seis jogos em que alinhou nesta -, Everton esconde um passado rico no futebol dos Países Baixos. Páginas douradas que estão habitualmente nas mãos dos dirigentes dos emblemas por onde tem passado, mas que não impediram um episódio caricato ainda com as cores do Cinfães.

«Assinei contrato e fui apresentado, mas o treinador não sabia... Quando desceu para dar o treino e falou com o presidente disse: " É o novo jogador? Eu não pedi nada, mas já que está aí, ele fica"», revelou com boa disposição à mistura.

«Fomos treinar e no final ele já queria a minha documentação pronta, queria que jogasse logo! Tive de lhe explicar que não jogava há algum tempo e que ainda precisava de uma semana», acrescentou, antes da última confissão curiosa sobre a estadia em Portugal, onde vai estudando «com o objetivo de ser treinador de alto nível.»

Ídolo nos Países Baixos, Everton prepara carreira de treinador @Getty Images

«Tive clubes da I e II Liga a assistir aos meus jogos, mas desistiam quando sabiam a minha idade. Viam, gostavam, só que quando olhavam para o meu currículo achavam-me muito velho», garantiu.

Um reparo sem qualquer mágoa deixada a Everton que, em jeito de conclusão, perdeu a conta aos episódios marcantes vividos ao serviço do Heracles, onde chegou a alinhar ao lado de Bas Bost, antigo avançado do Sporting, de quem guarda excelentes recordações.

«Bas Dost? Formámos uma dupla de sucesso»

Contas feitas, foram 57 aparições em conjunto que renderam frutos... em parelha: «Éramos muito unidos tanto dentro como fora de campo! A época em que mais golos marquei foi com ele no ataque. Formámos uma dupla de sucesso no clube.»

qA época que mais golos marquei, foi com ele no ataque. Formámos uma dupla de sucesso no clube

Everton sobre a relação com Bas Dost

E por falar em sucesso, a conversa com o zerozero não terminou sem um levantamento dos momentos mais marcantes passados no emblema neerlandês. Com o fôlego todo e sem hesitações, Everton não tremeu na hora de hastear os momentos de proa.

«O meu golo na minha estreia em casa contra o Utrecht, uma equipa muito forte na época, ou os dois golos que fiz contra o PSV, em Eindhoven, onde o Heracles não marcava, salvo erro, desde 1949. E, claro, a final da Taça da Holanda, que o clube nunca tinha chegado. Perdemos, mas foi histórico para o clube e para mim!», concluiu.

«Queria mostrar que ainda era capaz»

Já no caso de Mateus a história é outra, mas encaixa em alguns pontos com a de Everton. Um dos grandes agitadores de emoções da I Liga durante largos anos, o extremo angolano vive dias de transformação para a posição 9 na AF Porto Liga Pro, escalão de acesso ao Campeonato de Portugal. Pisado o último palco de primeiro plano em 2020, a caminhada do veterano foi explicada pelo próprio.

No emblema do Oeste, Mateus foi preponderante @SCU Torreense

«Depois desses anos todos na elite do futebol português, passei pelo Penafiel numa época um bocadinho atípica.... Comecei bem, mas depois numa das paragens para a seleção, voltei com uma lesão e quando regressei fui poucas vezes opção. Foi no final da temporada, o que dificultou a renovação e a oferta de outros clubes», especificou.

E é nesse contexto adverso que surge a etapa seguinte: «Surgiram alguns convites que não foram do meu agrado, mas então apareceu o Daúto Faquirá, que tinha aceitado o projeto do Torreense, numa Liga 3 que estava a formar-se. Conhece-me bem, acreditou em mim outra vez [antes haviam trabalhado no 1º de Agosto]  e cheguei a acordo com eles. Sabia que os termos financeiros não seriam como na I e II Liga, mas senti-me satisfeito.»

«Tinha perdido espaço no Penafiel e queria mostrar que ainda era capaz de jogar e que afinal ainda estava bem. Isso, aliado à paixão pelo futebol, fez-me ir para Torres Vedras. Num grupo que já tinha tentado subir, fui campeão e o melhor jogador de uma nova competição. Foi uma experiência muito boa!», garantiu.

Até chegar ao Maia Lidador, o regresso à II Liga ainda se consumou na primeira metade da temporada seguinte - 2022/23 -, mas os 14 golos da campanha anterior fizeram-no regressar à Liga 3 pelas portas da UD Leiria, em novo projeto de subida (e de título): «Estava a recuperar de nova lesão e acabei por não ser tão preponderante. Acabou por ser o Jair, que ajudou com muitos golos, mas levei a estrelinha de campeão.»

«Se puder marcar cinco golos, vou marcar cinco golos»

«Entrei na época a pensar que ia continuar, mas disseram que não iam contar comigo. Fui-me preparando à espera de novos convites da Liga 3, II Liga ou até Campeonato de Portugal, mas tudo o que me apareceu era bastante longe», contextualizou: «Não queria estar num clube muito distante da zona onde moro, a Área Metropolitana do Porto. Queria aproveitar a família e estar perto de casa.»

Mateus com o prémio de melhor marcador da Liga Pro da última época: 24 golos em 26 jogos @Maia Lidador

E o convite ideal surgiu mesmo. Através de Bruno Pinheiro, com quem jogou no Boavista e que já representava o Maia Lidador, Mateus deixou-se seduzir pelo prazer de jogar sem as amarras da alta competição associadas.

«Começámos a trabalhar no projeto da academia que ele tem - Warriors Football Academy - e surgiu o desafio de fazer uns treinos no Maia. Era um contexto de equipa e aceitei para manter a forma. Os diretores perceberam a ideia, mas sempre que me viam fazer qualquer coisa ficavam admirados... os jogadores igual. As semanas passaram, perguntavam-me se não queria ficar e acabei por aceitar na condição de que, se surgisse uma oferta interessante, não havia problemas com ninguém», explicou.

qJogo por prazer, sem a preocupação do futebol profissional, embora me continue a preparar a esse nível

Mateus sobre o desafio no Maia Lidador

«Vinha de uma divisão muito acima e ajudei o Maia a ficar a um passo da subida. Nos último jogos tive uma fratura, a equipa perdeu capacidade ofensiva e não conseguiu ganhar os jogos necessários», garantiu.

Pese a referida reta final, Mateus sentiu condições para continuar a fazer o que melhor sabe: «Gostei da experiência, o clube tem boas condições mesmo nesta divisão e isso também influenciou a minha permanência. Jogo por prazer, sem a preocupação do futebol profissional, embora me continue a preparar a esse nível... se tiver a oportunidade de marcar cinco golos, vou marcar cinco golos.»

«Se encaras o futebol como uma brincadeira...»

E se a sede de sucesso continua bem vincada depois de quase 20 anos ao mais alto nível, a palavra sábia de Mateus apenas vai na direção do jogador que «a bebe e ouve» para melhor partido dela tirar.

Mateus deu o exemplo de Jota Silva como caso de sucesso vindo das distritais @Vítor Parente / Kapta+

«Se vocês querem mesmo seguir a carreira de futebol, há caminhos que têm de seguir», relatou, como se para um colega falasse: «O futebol não se compadece com a noite, tens de escolher o que fazer, mesmo nesta divisão. Se já encaras como brincadeira e não é prioridade treinar e ser melhor jogador, não é depois que as coisas vão acontecer», avisou, antes de, em jeito de remate final, dar um exemplo bem conhecido que encaixou perfeitamente na conversa.

«Conheço pessoas que já me falavam do Jota Silva e não fazia ideia de quem era... A dedicação que tinha no Sousense era a mesma que demonstrou no Vitória SC e agora no Nottingham Forest. Está focado, trabalhou para isso e chegou à seleção. Não foi sorte!», finalizou.  

Ler artigo completo