Reformar Portugal e defender a Europa

3 meses atrás 67

Há um trabalho profundo a fazer para deixarmos de ter uma máquina gigantesca que nos consome e não nos serve como deveria.

Nota prévia: A menos que o PSD/Madeira substitua Miguel Albuquerque e abra ao Chega, é provável que, dentro de alguns meses, haja novas eleições regionais. Os resultados de domingo apontam para um cenário de ingovernabilidade, apesar do PSD ter voltado a ser o mais votado, embora recuando. Faltam-lhe 5 deputados para ter maioria, o que é difícil obter. O PS também não consegue facilmente uma coligação que junte os 24 que fazem maioria. O Juntos Pelo Povo, um partido na prática regional, foi o único que cresceu significativamente. O Chega manteve quatro mandatos. PCP e Bloco foram varridos do mapa, enquanto CDS obteve dois assentos e o PAN e IL ficaram com um cada. Para tornar tudo mais complexo, na Madeira, para haver governo, é mesmo preciso que o seu programa seja aprovado por maioria absoluta, não chegando uma maioria relativa. Um quebra-cabeças!

1. António Costa foi, finalmente, ouvido como declarante (a seu pedido) pelo Ministério Público. Saiu de lá como entrou, ou seja, sem ser constituído arguido na operação Influencer que fez cair o governo, levou a eleições e na qual Costa foi envolvido pela procuradora-geral da República num comunicado. A audição de Costa retira-lhe a suspeita em vésperas das eleições europeias, mas não encerra o caso no que lhe diz respeito. Este episódio estranho é mais uma prova de que é indispensável rever os procedimentos do Ministério Público ao nível da investigação e também na forma como suspeitos são tratados e mantidos em detenção até serem ouvidos. É mais uma matéria a merecer investigação por uma entidade política legítima, a quem até a Justiça tem de prestar contas.

2. Num levantamento sistematizado, Luís Marques Mendes revelou, recentemente, na SIC, números assombrosos sobre a dimensão da nossa administração. Segundo revelou, há 645 entidades públicas na Estrutura do Estado Central. São 172 empresas públicas, 120 institutos e fundações, 46 direções gerais, 134 estruturas atípicas, tais como comissões e unidades técnicas, 103 fundos autónomos e entidades administrativas independentes, 38 órgãos consultivos, 32 estruturas de missão, todas com quadro de dirigentes e de funcionários. Tudo isto representa, só na administração central, 8217 dirigentes. Haverá ainda que somar as chamadas entidades desconcentradas, como as CCDR ou as ARS (comissões de coordenação regional e administrações regionais de saúde) e, claro, as autarquias locais, sendo de lembrar que só em Lisboa a câmara emprega 10 mil pessoas. Nestas contas não entram sequer as Regiões Autónomas. Em resumo, o nosso universo da Administração Pública daria praticamente para gerir a velha e burocrática União Soviética. A dimensão destes números é estratosférica. Dá uma dimensão da tarefa ciclópica de reorganização que é necessária. Isto para evitar citar o conceito de reformas estruturais trazido para a política no século passado por Carlos Mota Pinto, um dos raros estadistas mais interessados no país do que em si próprio que tivemos. Só um governo de alta competência, um acordo político ou uma concertação social não corporativa podem domesticar este monstro tentacular que consome os nossos recursos sem dar as contrapartidas necessárias.

3. A política é por definição imprevisível. Poucas são as figuras que nela entram e perduram positivamente. A morte reforma mais facilmente a imagem do que a existência terrena. De Gaulle saiu de rastos, mas o tempo tornou-o no símbolo de uma França que nunca mereceu uma figura de tamanha dimensão. Ele foi maior do que os seus compatriotas. Foi por ele e um punhado de resistentes que a França teve o direito imerecido de ser declarada vencedora da Segunda Guerra Mundial. Verdadeiramente heroicos foram os povos e os líderes que se mobilizaram em bloco para resistir aos nazis e contra-atacar. Churchill soube consciencializar e mobilizar como ninguém uma nação isolada, ganhando o conflito, depois dos americanos terem vindo em auxílio do embrião do mundo livre, apoiado na circunstância de Estaline ter sido traído pelo seu aliado Hitler. É indispensável recuar a um passado não muito remoto para perceber a importância do espaço da União Europeia, a que Portugal tem o privilégio de pertencer. Ao longo de anos, com sobressaltos, avanços e recuos, construiu-se uma comunidade nascida a pretexto da indústria do aço e que chegou a uma União Europeia de princípios políticos, na qual grande parte já partilha uma moeda, simbolicamente chamada Euro. Ora, a moeda, que os comunistas portugueses rejeitam, é seguramente um dos laços mais importantes. Foi criada no meio de grandes dificuldades, com uma Europa comunista em dissolução, uma Alemanha em reunificação e mantida no meio de várias tempestades. Portugal tem de estar orgulhoso de ter sido fundador dessa moeda que 19 estados da UE partilham. A moeda impõe uma certa rigidez. Mas trouxe muito. Deu uma identidade europeia inequívoca e uma referência comum simplificada. Com o euro criámos uma referência de pagamento mundial, mas também percebemos de imediato centenas de coisas, que vão do salário médio ao preço da manteiga. Sabemos por aí quanto ainda temos de nos esforçar para criar riqueza e distribuí-la. Até mesmo os estados da UE que não têm a moeda única, por ainda não poderem ou por não a quererem, devem orgulhar-se da democracia liberal, das instituições políticas de topo, da solidariedade intergeracional, da legislação transnacional, da abolição das fronteiras internas, da livre circulação, de Schengen, da partilha de informações, de haver um embrião de justiça supranacional, da possibilidade de cada um exprimir o seu pensamento, a sua identidade individual e cultural, que é essencial não deixar perverter por via da imigração. A Europa é também o programa Erasmus, que há décadas permite a jovens europeus estudarem e compreenderem outros países e realidades, agora até fora do seu espaço. Foi gratificante ter nascido no pós-guerra, ter vivido uma Europa em reconstrução, o fim de um Portugal ditatorial e colonial e, hoje, viver num espaço multicultural e de paz. No meio de controvérsias que sempre irão existir, saibamos reconhecer o caminho que os fundadores traçaram após o grande conflito mundial que levou mais de 50 milhões de vidas. Sejamos reconhecidos como são os americanos aos pais da pátria. Entre eles há um de que eles falam menos: Alexander Hamilton. Criou o Dólar em 4 de Abril 1792. Pensou a chamada Reserva Federal. Sem dólar nunca teria havido Estados Unidos com a dinâmica que conhecemos. A moeda e certos princípios básicos simplificados são o seu traço de união. Na Europa, pela sua multiplicidade étnica e cultural, o caminho é bem mais difícil. Mas há que lutar para a manter e melhorar. Sobretudo nestes tempos em que os valores humanistas democráticos são questionados. A Europa vive uma fase em que pode ter de mostrar força defensiva para si própria e para enquadrar os que a ela querem aderir democraticamente, como os ucranianos, os georgianos, os moldavos e os montenegrinos, entre outros. Por isso, é necessário criarmos uma linha de defesa assente em valores ocidentais democráticos e firmes. A União Europeia é um bastião da Democracia e da Liberdade. Há que defendê-la do discurso de extremistas de esquerda e de direita, que invertem tudo ao afirmar que é ela que promove a guerra. Em vésperas das eleições europeias tem sido muito útil ouvir e ver os debates em que partidos como o PCP/CDU e o Bloco mostram total subserviência a Moscovo. Falta pouco para sermos chamados a constituir a nova configuração do Parlamento Europeu. Trata-se de uma instituição com pouco peso político efetivo e muito complexa. Mas tem um valor simbólico gigantesco. Ficar em casa é abdicar de um ideal que, desde 1945, foi sendo construído e alargado com um propósito de paz e progresso, no respeito pela diversidade. É fundamental votar, anulando quem queira boicotar o projeto. Há ainda muito por fazer e sobretudo muito a defender dos inimigos externos e internos.

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