REPORTAGEM | A alegria voltou à Corunha: «Os adeptos salvaram o Depor»

3 meses atrás 73

Deportivo já foi grande. Enorme, até. Campeão espanhol, semifinalista da Liga dos Campeões. Passado glorioso no início do século, mas do passado vivem apenas os museus. Para se ser grande, é preciso demonstrá-lo todos os dias. Como diriam os ingleses, não basta o talk the talk, é preciso o walk the walk e nos últimos anos não é exagerado dizer que este Depor se fartou de coxear durante a caminhada.

Nos últimos quatro anos, um dos maiores emblemas da região da Galiza andou mergulhado nas trevas do terceiro escalão espanhol. Não do primeiro, não do segundo. Do terceiro. Quatro épocas, seis treinadores, um deles o agora nosso conhecido Rubén de la Barrera, e só ao sexto, Imanol Idiakez, é que a direção galega acertou e conseguiu subir o primeiro degrau na escadaria para voltar a ser grande: em 2024/25, o Deportivo vai regressar à segunda divisão espanhola. Um passo mais perto de voltar à elite.

O sucesso também passa fatura

Em qualquer coisa como 20 anos, o Super Depor campeão espanhol e semifinalista da Champions foi substituído por um clube à deriva, entre problemas de cariz financeiro e a incapacidade para replicar os feitos de outrora no tapete verde. O sucesso passou fatura num clube incapaz de acompanhar a subida de expetativas.

«Os trabalhadores do clube, os adeptos ainda estavam agarrados à ilusão do Super Depor, mas agora o Depor já era outro. Se calhar o clube pagou fatura por isso, por não se adaptar à realidade», contou ao zerozero o português Luisinho, que representou o conjunto da Corunha de 2013 a 2018.

qOs trabalhadores do clube, os adeptos ainda estavam agarrados à ilusão do Super Depor, mas agora o Depor já era outro

Luisinho

«No momento em que estive lá, e mesmo agora, era um clube que na primeira liga jogaria para meio da tabela. Nos anos 2000, jogava para campeão. Houve uma confusão, porque as pessoas não se adaptaram e acharam que o Depor ia ser sempre esse Super Depor. Houve momentos em que não se conseguiu adaptar e caiu até onde caiu. Adaptou-se agora, é realista em relação ao patamar onde está e aos poucos está a tentar ser o Deportivo que já foi. Tem um caminho longo pela frente», acrescentou o antigo lateral esquerdo, hoje treinador do SC Coimbrões.

Bruno Gama teve também passagem pela Galiza, até em dose dupla, primeiro entre 2011 e 2013 e depois de 2016 a 2017. O extremo, que agora representa o AEK Larnaca, ficou com a mesma sensação: «O clube já ganhou o campeonato, há uns tempos esteve nas meias-finais da Liga dos Campeões. Como andaram num patamar alto, a exigência dos adeptos continuou alta. Em certos momentos, pode ter trazido maior pressão às equipas, que não conseguiram trazer o clube de volta onde tem que estar», disse-nos.

Uma estrutura pequena: «O presidente comandava tudo»

Luisinho mudou-se para a Corunha no verão de 2013, inicialmente por empréstimo do Benfica. Habituado a uma estrutura grande, o lateral encontrou uma realidade totalmente diferente, até mesmo impensável num clube que não há muito tempo se tinha sagrado campeão e lutava com frequência pelos lugares cimeiros da tabela.

«O clube, quando cheguei, não tinha muitos trabalhadores. Tinha o presidente, um diretor desportivo, uma pessoa da comunicação e um diretor ou outro», revelou Luisinho. A comparação direta com os maiores clubes lusos veio, naturalmente, de seguida. «Estamos habituados a estruturas como o Benfica, FC Porto e Sporting, com muita gente, e o Deportivo era tudo o contrário. O presidente comandava tudo, conhecia o clube como ninguém e é muito acarinhado. Controlava tudo bem e não tinha tanta gente», disse.

@RC Deportivo

O presidente que tudo comandava era Augusto César Lendoiro. A primeira temporada de Luisinho no clube coincidiu com a última do dirigente, que em 2014 deixou o cargo que ocupava há 26 anos. Foi sob a direção de Lendoiro que o Depor alcançou as maiores glórias da sua existência, pelo que é com naturalidade que o mesmo é recordado com carinho.

Tudo isto surpreendeu o ex-Benfica, mas uma das grandes surpresas iniciais foi a primeira grande amostra que teve em relação ao impacto dos adeptos: «Quando fui para ali, surpreendeu-me pela positiva um jogo de segunda liga ter 30 mil pessoas. Pensei que era coincidência ou porque estava bom tempo, mas não. Era sempre assim.»

E assim chegamos a um ponto fundamental na vida do Deportivo, os adeptos. Depois da Corunha, Bruno Gama já experienciou grandes atmosferas, mas antes de ter chegado a Espanha garantiu nunca ter visto nada assim, até fora do estádio. «Agora recentemente, no Aris, os adeptos também são incríveis e há muita loucura em torno do futebol e do clube. Mas ali foi o meu primeiro grande impacto e marcou-me bastante, principalmente nas ruas. No Aris, o ambiente nos dérbis com o PAOK também é incrível. Mas nas ruas, aquele ambiente da Corunha... Marca mais», atirou.

O extremo de 36 anos recordou o verão de 2011, quando trocou o Rio Ave pelo clube galego: «Uns meses antes, estava em casa e vi o jogo em que o Deportivo desceu de divisão, toda a gente em lágrimas no estádio e eu longe de saber que ia para lá. Foi engraçado, porque o Zaragoza também estava interessado e eu tinha mais interesse no Zaragoza, porque estava na primeira divisão. Mas o Depor mostrou que me queria mais. Fui à Corunha, sem nada decidido, jantei com os responsáveis e no dia seguinte decidi ficar lá. Apesar de saber da grandeza do clube, só mesmo quando estás lá no dia a dia é que sentes o que é, o que os adeptos vibram com o clube e o ambiente.»

Um bairrismo familiar: «É como ir a Guimarães»

Percebe-se facilmente que a massa adepta é um fator que diferencia o Deportivo dos outros. Na Corunha, só há uma camisola, a azul e branca do emblema do Riazor. Uma cidade que vive para um clube. Sabemos que isto lhe soa familiar, caro leitor. Assim como soou familiar a Luisinho.

«Um adepto do Depor é um apaixonado, é um louco. Só tem um sentimento, que é o clube. Ali é só adeptos do Deportivo, independentemente de haver Real ou Barça. É Deportivo. Para mim isso faz toda a diferença. É um pouco como ir a Guimarães. Em Guimarães são do Vitória, têm uma massa adepta ferranha e única», disse.

@RC Deportivo

A palavra é só uma: bairrismo. Tantas vezes ouvida, tantas vezes associada a Guimarães e ao Vitória SC, mas também aqui lembrada quando é hora de descrever o ambiente no Riazor e nas ruas da Corunha. «Sente-se aquele bairrismo. As pessoas vibram muito com o futebol no dia a dia, nas ruas. Sentes isso em qualquer sítio que vás, dizem-te sempre qualquer coisa. É uma envolvência muito grande em torno do futebol, uma paixão enorme, e tu sentes isso e sentes a responsabilidade de dar sempre tudo por aquelas pessoas. Quando estás na cidade, há ali um entorno realmente muito forte e que se faz notar», relatou Bruno Gama.

As dificuldades que o Depor passou nos últimos anos podiam ser suficientes para o desaparecimento de outros clubes. Outros clubes, mas nunca o Deportivo. «Têm uma coisa à parte: os adeptos. É o espelho do que se vê agora, o clube chegou a ir à terceira divisão e nunca caiu. Fui ver um jogo há pouco tempo, com o Cultural Leonesa, e estavam 30 mil pessoas. O clube nunca ia cair com uma massa associativa assim. Noutros lados, se calhar, caía. Ali não», afirmou Luisinho, antes de concluir:

«A grande salvação do Depor foram os adeptos.»

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