REPORTAGEM | Da «pouca aposta» do FC Porto à camisola dez: a jóia de Argoncilhe está de regresso

3 semanas atrás 53

Depois de alguns dias de rumores, Fábio Vieira está de volta ao Estádio do Dragão. A euforia entre os adeptos portistas começou a ser cada vez maior, sendo que o anúncio oficial da contratação foi realizado esta terça-feira, após os habituais exames médicos e a assinatura de burocracias com o Arsenal, emblema inglês que decidiu conceder mais tempo de jogo ao criativo.

Tempo de jogo, exatamente. Apesar dos gunners terem desembolsado 35 milhões de euros (mais cinco milhões de euros em objetivos) pelos serviços do português antes do início de 2022/2023, o camisola 21 nunca ganhou a titularidade na equipa de Mikel Arteta. O espanhol decidiu continuar a confiar em Martin Odegaard, norueguês que se tornou num dos melhores jogadores da Premier League e que conta com um valor de mercado de mais de... 100 milhões de euros.

Bem acompanhado na apresentação @FC Porto

Altura, portanto, de dar novo rumo à carreira, voltar a uma casa que bem conhece e vestir a camisola de um clube que representou entre 2008 e 2022 - a única exceção recaiu num empréstimo ao Padroense, na temporada 2015/2016. Tudo o resto? Foi vivenciado de azul e branco até chegar à Premier League, apontada por muitos como a melhor prova do mundo.

Para tentarmos perceber se este foi o passo certo na carreira de Fábio Vieira, estivemos à conversa com dois elementos que privaram de perto com o médio ofensivo: Manuel Tulipa e Israel Dionísio, que fizeram parte de equipas técnicas pintadas de azul e branco. O «casamento perfeito», um jogador que não cede à pressão e a comparação com o exemplo de Vitinha.

Os primeiros passos

O camisola dez, atualmente com 24 anos, nasceu em Argoncilhe, Santa Maria da Feira. Desde cedo se percebeu que o talento para o futebol era inato. Em 2008/2009 já representava o FC Porto e, no ano seguinte, foi colega de equipa de Pedro Santos (FC Arouca), João Mário (FC Porto) ou Vasco Paciência, este último filho de Domingos Paciência.

Para trás ficaram as memórias no Jardim de Infância do Carvalhal, onde esteve até entrar na escola primária. Juntamente com estas experiências, passou largas tardes a marchar nas festas em Honra de São João de Pereira. As raízes nunca se esquecem e ajudaram a moldar um atleta de excelência. Da Feira para o Campo da Constituição e passando pela casa do FC Porto de Argoncilhe: depois de Jorge Couto, Fábio Vieira.

Cumpriu todas as etapas de formação nos dragões até chegar à equipa principal, em 2019/2020. «Um rapaz muito reservado, que sabia estar. Ele coincidiu comigo aquando da participação da UEFA Youth League, precisamente nessa época. Era um dos jogadores mais velhos do plantel, portanto, servia de referência e apoio para os miúdos», começou por dizer Manuel Tulipa, atualmente sem clube, depois da experiência no Torreense.

«Conseguias logo interagir com ele, era bom rapaz. Um miúdo porreiro, como se costuma dizer. Já tinha uma capacidade diferenciadora que passava pelo aspeto mental. Nunca acusou a pressão, gostava de ser protagonistae assumia as rédeas em qualquer situação, pese embora algumas dificuldades associadas. Tem muita paixão pelo futebol», atirou Israel Dionísio, que chegou a fazer parte de equipas técnicas lideradas por Tulipa.

«Eu trabalhei com ele no escalão de sub-16 e sub-17 e, nessa altura, não era aquele jogador em que o clube apostava. Em 2015/2016 acabou por ser emprestado ao Padroense, ou seja, não entrava no lote de atletas de destaque. Esses passavam diretamente dos sub-15 para os sub-17. Mas era um miúdo que dizia que ia ser jogador de futebol. Repetia essa ideia com insistência em qualquer conversa que tinha com ele», acrescentou o técnico.

Fábio teve grande impacto @Catarina Morais / Kapta +

Fábio Vieira tinha razão. Tal como já referido anteriormente, chegou ao mais alto patamar do futebol português com a camisola do seu clube de coração a 10 de junho de 2020, na sequência de um duelo contra o Marítimo, que terminou com vitória portista pela margem mínima.

A época seguinte, essa, traduziu-se em mais um passo em frente na equipa principal. 29 jogos, um golo e uma assistência. Cada vez melhor, mais requintado e afinado. 2021/2022 ajudou a comprovar esta narrativa, pois rubricou o melhor ano da carreira a nível sénior. Sete golos, 16 (!) assistências e um papel decisivo para a conquista da Liga Portugal bwin.

«Não era o momento certo para sair do FC Porto»

Seguiu-se o sonho da Premier League, pois claro. O Arsenal apareceu em cena, desembolsou cerca de 35 milhões de euros pelo passe do jovem português e levou o miúdo de Argoncilhe para Londres. Apesar das elevadas expectativas de todas as partes envolvidas, nunca conseguiu conquistar o seu espaço para somar minutos consecutivos no gigante inglês: 34 jogos (1458 minutos) em 2022/2023 e 16 jogos (560 minutos) em 2023/2024.

Disputou a pré-temporada toda @Orlando Ramirez/Getty Images

«Eu acho que ele foi perdendo a confiança porque não era o momento certo para sair do FC Porto. O contexto do Arsenal também não 'ajudou' devido à qualidade excecional em quase todas as posições. Todos nós sabemos que o Arsenal luta para ser campeão. Ele até contou com oportunidades para demonstrar o seu valor e, no meu ponto de vista, correspondeu com categoria», defendeu Israel.

«O plantel do Arsenal é bastante vasto e a Premier League tem um ritmo diferente em relação a outros campeonatos. Podemos fazer um paralelismo desta situação com a do Vitinha, pois foi emprestado ao Wolverhampton e não teve o seu espaço. Regressou, tornou-se num jogador influente e, hoje em dia, é um dos melhores médios do mundo. O Fábio pode traçar um caminho semelhante, pois é alguém competente com a bola nos pés», disse Manuel Tulipa.

O atleta completou toda a pré-época 2024/2025 com as cores do Arsenal. Disputou 180 minutos, marcou um golo contra o Bournemouth, mas voltou a não ter o espaço que idealizava nas escolhas de Mikel Arteta. Entre as opções disponíveis no mercado de transferências, apareceu o FC Porto, que «perdeu» Francisco Conceição para a Juventus, na sequência de um empréstimo de um ano. Fábio Vieira chegou à Invicta nos mesmos moldes.

«Acho que é sempre importante um jogador regressar a uma casa onde foi acarinhado com insistência. O momento, se calhar, assim o pede. Penso que não é nenhum passo atrás, mas sim uma forma de dar outro rumo à carreira. Acima de tudo, partilho da opinião de que será uma mais valia (...) Tornou-se no casamento perfeito, diria eu», explicou Israel. 

A magia deixou saudades @Kapta+

«Trata-se de recuperar um atleta talentoso e que foi formado dentro de portas, tem o ADN do clube. Torna a equipa mais competitiva a nível interno, ou seja, dá mais opções a Vítor Bruno. Tendo em contas as ideias do treinador, pode ser muito interessante e resultar bem. Temos observado que querem ter bola e dominar o jogo, no entanto, assistimos a algumas más decisões no último terço, um aspeto onde o Fábio é importante», argumentou Tulipa.

«Apresenta um excelente nível do ponto de vista técnico, uma visão de jogo diferenciada. Tem de melhorar a presença defensiva em alguns momentos do encontro, mas compensa essa falha com a facilidade que possui na construção de jogo. Para além disso, consegue desenhar passes em profundidade, ou seja, completa-se com companheiros de equipa inteligentes», acrescentou.

O novo dono da camisola 10

As comparações entre Fábio Vieira e Francisco Conceição são inevitáveis, pese embora ocuparem terrenos distintos. «São jogadores com caraterísticas completamente diferentes. O Francisco nunca pode jogar a '8', mas sim, de forma esporádica, a '10'. É um extremo que vai para cima dos adversários. O Fábio não possui esse tipo de particularidades, pois é alguém mais posicional, que atrai a marcação com ele», continuou.

Fábio Vieira
4 títulos oficiais

«O Francisco utilizava a camisola dez, mas não são da mesma posição, pois um atua numa zona exterior do campo, enquanto o outro também pode começar aí, mas gosta de ocupar espaços mais interiores. Toda a gente sabe que o camisola '10' é aquele em quem reparamos mais quando vamos assistir a um jogo de futebol, portanto, a nova escolha assenta bem», disse Israel Dionísio.

O início dos azuis e brancos tem sido em grande plano. Um troféu conquistado, 11 golos marcados e apenas três sofridos. A aposta no trio do meio-campo tem recaído em Alan Varela, Vasco Sousa e Nico González. Onde é que Fábio Vieira poderá encaixar? Na ala ou no meio? Apenas Vítor Bruno tem a resposta para esta questão, como é natural, mas quisemos perceber a opinião dos dois treinadores. Comecemos com Manuel Tulipa.

«Se o FC Porto tiver o Alan Varela no onze inicial, acho que pode encaixar como segundo médio, uma vez que o Nico está a ter um desempenho incrível naquela posição. O Fábio também pode jogar de fora para dentro, ou seja, da direita para dentro, mesmo não sendo um extremo que vai para cima do adversário. Para além disso, acrescenta qualidade relacionada com as bolas paradas, um aspeto onde é muito forte», explicou.

«Acho que, no meu entender, rende mais numa posição central, pois gosta de jogar entrelinhas e encaixa bem no esquema tático do Vítor Bruno. Marca a diferença no último passe, descobre espaços como ninguém e consegue isso com insistência atrás do avançado, um papel atribuído recentemente ao Nico González. Isso não significa, claro, que a presença de um implique a ausência do outro. Existem várias formas para coabitar estes jogadores», concluiu Israel.

A época teve o seu início há algumas semanas, mas Fábio Vieira já demonstrou que não precisa de muito tempo para causar impacto. Camisola dez, de regresso à cidade Invicta e com bastante expectativas em seu redor. Tem a bola o criativo. Ele sabe o que fazer com ela.

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