Rúben Dias: «Nem nos meus melhores sonhos pensei ganhar o que ganhei em três anos»

Rúben Dias teve um ano de 2023 repleto de conquistas com o Manchester City e antes mesmo de disputar o Mundial de Clubes, o zerozero falou com o internacional português. Nesta entrevista, quisemos perceber como uma das principais peças da estrutura defensiva de Pep Guardiola viveu o último ano, o impacto que o futebol britânico tem no seu estilo de jogo, mas também como se trabalha com uma cadência de jogos tão grande. Não nos esquecemos do Natal, pois claro. Rúben Dias, um rapaz que valoriza a família e não esquece as raízes.

zerozero: Rúben, comecemos mesmo pelo Natal: pode partilhar connosco a história de quando recebeu um cão como prenda na noite de Natal.

Rúben Dias: Ui... isso já foi há muito tempo. Um pastor alemão... Mas já foi há muito, muito tempo. Nem sei que idade tinha, mas não foi uma má surpresa.

zz: Esconderam o cão na casa da sua madrinha, certo?

RD: Já nem me lembro bem dos detalhes. Recordo-me que no dia andávamos à procura da prenda e mandaram-me, a mim e ao meu irmão, pois a prenda era para os dois, ir a outra zona do prédio. Quando chegámos a esse espaço, estava o cão dentro de um caixote e nós a tentar perceber o que era... Foi muito giro.

zz: Como eram os natais de quando era criança? Na Amadora, em Trás-os-Montes ou no Alentejo?

RD: Nós acabámos sempre por passar o Natal por Lisboa, mas sempre revezando entre o lado da minha mãe e o lado do meu pai, em nossa casa. Agora, mais recentemente, já é tudo misturado.

zz: E agora como é? Estando o Rúben Dias em Inglaterra e existindo Boxing Day?

RD: Não estabeleço uma regra, pois, na eventualidade de ser possível, prefiro ir a casa. Assim não é necessário toda a gente deslocar-se aqui a Manchester. Nos primeiros dois anos acabei por ter de trazer a família cá, o ano passado, por causa do Mundial, e coincidiu ter ficado lesionado durante o Mundial, consegui estar em casa e soube bem. Este ano, julgo que em princípio pode dar para ir a casa, porque jogamos dia 27. Vai ser uma visita de médico, mas sempre dá para passar de 24 para 25 em casa, com a família.

zz: E ganhar energia...

RD: Exato. É muito importante.

zz: O Pep Guardiola diz que há pouco tempo para treinar, portanto há pouco tempo para folgas. Como são as suas folgas?

RD: Nesta fase o tempo é curto e no pouco tempo que temos livre é importante desfocar um bocado do futebol, tentar respirar e recarregar energias. Como o mister disse, o tempo para treinar é curto, vamos ter muitos jogos seguidos de três em três dias. Tem sido intenso e vai ser assim durante algum tempo, portanto é continuar a render.

zz: Mas como são as suas folgas? Como é que um jogador do Manchester City, que ganhou tudo na época passada, que é um jogador importante da seleção, vive as folgas? Consegue sair de casa? Faz a vida normal?

RD: Eu diria que consigo manter alguma tranquilidade. Também sempre foi grande intenção dos meus pais e do meu irmão que eu mantivesse alguma normalidade e sinto-me bem assim. Consigo ir à rua, ir a um café, consigo fazer as coisas que faria se não fosse reconhecido. Há sempre uma ou outra pessoa que me pede uma foto, mas no meu caso específico não entra no exagero e, de certa forma, consigo fazer uma vida normal.

zz: Na época passada fez 53 jogos na temporada, esta época já leva mais de duas dezenas e muitas vezes ouvimos os jogadores a queixarem-se da carga de jogos: isso preocupa-o?

RD: Como é óbvio, a carga é difícil. O tempo de descanso é cada vez mais curto, com as competições que estão para chegar os nossos verões vão começar a desaparecer. É algo que me preocupa a mim e preocupa a todos os que estão ligados ao jogo. As pessoas falam do rendimento e dizem que se queremos receber mais, também temos de jogar mais. No entanto, a verdade é que o dinheiro da indústria está a aumentar. A justificação para recebermos mais, não pode estar no aumento de jogos que disputamos, pois as partidas que disputamos agora, já justifica o dinheiro que recebemos. É algo com que vamos ter de aprender a lidar, pois já estão implementadas as competições que vão surgir. Os detalhes, cada vez mais, vão ser mais importantes, seja em termos de recuperação e de preparação física. Mas não é fácil e cada vez vai ser mais difícil, e até olhando a longo prazo, estender uma carreira por mais anos.

zz: O Guardiola parece ser muito preocupado com os jogadores, assim como vocês, naturalmente: quais são as grandes preocupações que ele quer que os jogadores tenham extra jogo?

RD: Acima de tudo é a luta pelo nosso bem estar, ou exigência, se preferirem. A exigência está inerente em todos os períodos que estamos juntos: quer a treinar, quer a jogar. Mas existe essa exigência fora da atividade do clube, porque todos os detalhes contam e quando jogamos com esta cadência, onde temos pouco tempo de recuperação, tudo conta e por isso a preocupação dele é maior.

zz: O que pede a um defesa central, o Pep Guardiola?

RD: Ui (risos). Pergunta complexa. É, sem dúvida, um treinador muito exigente. Ele é sempre muito assertivo: para ele um defesa é um defesa. O ponto primário para Guardiola, nesse sentido, é que um defesa tem de defender, mas como é natural, muito por culpa do nosso estilo de jogo, são exigidas muitas outras coisas e maneiras de ver o jogo que, possivelmente, noutro contexto podem não ser. No entanto, os clubes estão a implementar essa forma de ver o jogo. Aqui a exigência é muito alta e a margem de erro é muito curta, independentemente do que aconteceu para trás, pois o caminho é sempre para a frente e a exigência nunca baixa.

zz: Relativamente à tripla conquista do ano passado, vocês achavam que era alcançável, ou é de loucos?

RD: Podes pensar que tens a melhor equipa do Mundo, todos os anos, e nós temos uma das melhores, pelo menos desde que estou aqui no City assim nos vemos, mas chegar ao fim do dia e pensar que o que nós fizemos é fácil seria um grande erro. Não é uma loucura, mas quase, pois podes ter todas as condições, ter os melhores jogadores do mundo, mas chegares ao fim do dia e fazer as coisas acontecer é muito difícil. Requer de todos, e são mesmo todos: jogadores, treinadores, equipas médicas, staff, mesma toda a gente, um esforço incrível. Requer, acima de qualquer coisa, uma vontade de vencer constante, e isto para mim é o mais relevante, porque no fim de temporada já aconteceu muita coisa e manter a resiliência, o foco durante um ano inteiro, em momentos mais difíceis, quando temos de acreditar nas coisas que estamos a fazer, é o maior desafio. Depois de ter acontecido parece fácil, mas não é nada fácil.

zz: Na época passada, possivelmente, ninguém diria que o Arsenal ia perder a Premier League...

RD: Exato. E se pensar que ao mesmo tempo em que estivemos a disputar uma Premier League como disputámos, contra o Arsenal, estivemos a lutar por uma Champions League, as coisas ganham ainda mais brilho. Quando, realmente, se pensa no que aconteceu, torna tudo maior, o feito que conseguimos. Sendo que, em nenhuma circunstância é fácil, porque lutar por uma Premier League, uma Champions League e ainda juntar a FA Cup, mas principalmente as duas primeiras, porque se estendem muito e têm mais jogos, ao mesmo tempo obriga-nos a um nível de exigência muito alto. Foi um grande feito para nós, até porque o nível da Premier League nos dias de hoje é muito grande.

zz: Achava que ia encaixar tão bem na Premier League? No primeiro ano foi jogador da época.

RD: Como é natural, temos expectativa, temos um bocadinho do sonho, mas sempre me tentei afastar dessa expectativa e focar-me no que posso controlar e que passa por aquilo que faço a cada dia e em cada jogo. Acho que ajudou-me muito a construir o caminho que tenho feito até aqui. Se me pergunta se achava que em três anos ia ganhar o que ganhei até agora? Nem nos meus melhores sonhos teria pensado nisso. Mas, o futebol é assim, a vida é assim, temos de viver um dia de cada vez e a cada dia que passa, aconteça o que acontecer, temos de continuar a lutar sem perder o entusiasmo.