Videojogos. O impacto dos jogos violentos nas crianças e nos adolescentes

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Alguns dos videojogos mais vendidos desde o início do ano são considerados violentos. André Silva, professor e coordenador da Licenciatura em Psicologia do Instituto Piaget em Almada, explica que ‘indivíduos particularmente suscetíveis poderão usar um videojogo como inspiração para um ato violento’.

Desde que um estudante de 12 anos esfaqueou seis colegas na Escola Básica 1, 2 e 3 de Azambuja, muitas têm sido as questões colocadas aos mais diversos níveis. O rapaz, que está agora num centro educativo em Lisboa, conforme decisão do Tribunal de Família e Menores de Vila Franca de Xira, foi avaliado psicologicamente e, posteriormente, foi aberto um inquérito tutelar educativo pelo Ministério Público – que é sempre ativado nos casos de crimes cometidos por menores entre os 12 e os 16 anos.

O incidente ocorreu na terça-feira da semana passada, quando um estudante atacou colegas com idades entre os 11 e os 14 anos. Uma das vítimas, uma rapariga, ficou gravemente ferida. O aluno foi detido em flagrante delito e permaneceu sob custódia da GNR até ser interrogado pela Polícia Judiciária. Posteriormente, foi levado ao hospital para avaliação psicológica e, desde então, encontra-se suspenso preventivamente da escola, segundo informações do Ministério da Educação.

A escola reabriu no dia seguinte, mas 130 alunos faltaram às aulas. No dia seguinte, o número de ausências caiu para 34, segundo o presidente da Câmara de Azambuja, Silvino Lúcio.

Mas… o que terá estado em causa nesta situação? O que terá levado a criança a planear este crime e a cometê-lo? Ainda não existem respostas – pelo menos, que tenham sido divulgadas publicamente.

Uma das respostas pode passar pelos videojogos.

O Nascer do SOL questionou o KuantoKusta sobre os videojogos mais vendidos em Portugal. Desde o início do ano, abrangendo diferentes plataformas – como PS4, PS5, Nintendo Switch, entre outras -, a lista revela que a maioria dos jogos mais populares podem ser categorizados em géneros que variam desde desporto até ação e aventura e muitos deles incluem elementos de violência extrema.

Na lista disponibilizada, encontramos jogos como EA Sports FC 24 e NBA 2K24, que são simuladores de que recriam competições de futebol e de basquetebol, respetivamente. Estes jogos não são considerados violentos, mas ainda podem conter algumas interações físicas relacionadas com o jogo. Jogos como Hogwarts Legacy, baseado no universo de Harry Potter, e Super Mario Bros. Wonder oferecem uma experiência mais voltada para a fantasia e para a aventura. Enquanto Hogwarts Legacy tem elementos de combate com varinhas mágicas, a violência é estilizada e não realista. Já Super Mario é um exemplo clássico de um jogo familiar, com pouco ou nenhum conteúdo violento.

Jogos como Marvel’s Spider-Man 2, Suicide Squad: Kill the Justice League e Final Fantasy XVI têm elementos de ação e combate. A maioria desses jogos inclui batalhas e cenas de luta intensas, mas geralmente são enquadradas no contexto da fantasia ou super-heróis, onde a violência é mitigada pela irrealidade dos cenários. Por outro lado, jogos como Call of Duty: Modern Warfare III e Grand Theft Auto V são mais conhecidos por conterem violência explícita e gráfica. Call of Duty é um jogo de tiro em primeira pessoa ambientado em cenários de guerra, enquanto GTA V envolve uma narrativa que explora crimes em um ambiente urbano.

Para entender melhor a influência dos videojogos no comportamento das crianças e dos adolescentes, o Nascer do SOL falou com André Silva, professor e coordenador da Licenciatura em Psicologia do Instituto Piaget em Almada. De acordo com o especialista, «existem algumas evidências que parecem mostrar que jogar videojogos violentos poderá conduzir a um aumento de comportamentos agressivos, pensamentos agressivos, e um aumento na ativação psicofisiológica (e.g. aumento da produção de suor, aumento do ritmo cardíaco, etc.) de crianças e jovens».

Contudo, destaca que «algumas evidências de estudos longitudinais parecem indicar que estes efeitos não têm tendência a perdurar no tempo, sendo que a moderação da exposição ao jogo violento poderá diminuir a frequência e gravidade dos comportamentos agressivos». Além disso, o impacto real desta exposição é descrito como sendo mais limitado do que se acreditava: «Alguma da literatura também mostra que o efeito, a existir, é pequeno ou pelo menos mais pequeno do que se pensava».

Quanto à perceção da violência, o especialista refere que «parece haver uma associação entre a exposição a jogos violentos e um aumento da hostilidade em relação a outras pessoas e a uma diminuição do comportamento pro-social, isto é, do tipo de comportamento que promove a resolução de conflitos e a oferta de ajuda e apoio». Ainda assim, ressalva que «não parecem existir evidências de que isto conduza a um verdadeiro aumento da perpetração desses abusos ou comportamentos violentos».

«Sim, e é apenas à luz destes fatores que devemos tentar compreender o impacto de jogar jogos violentos em crianças e em adolescentes», afirma quando questionado sobre se existem fatores que tornam algumas crianças mais vulneráveis à influência negativa. Aponta, por exemplo, que «fatores como o ambiente familiar, vinculação, a influência dos pares, e sintomas ou quadros psicopatológicos – incluindo perturbações comuns como depressão e ansiedade – podem mediar e moderar a relação entre jogar jogos violentos e eventuais comportamentos agressivos, servindo por vezes de fatores de risco». Outro fator de destaque é a falta de controlo parental: «Crianças e adolescentes que podem jogar quando lhes apetece e pelo tempo que lhes apetece sem monitorização estão em especial risco de cometerem comportamentos agressivos».

O especialista também analisa como o uso excessivo de videojogos pode afetar a distinção entre realidade e ficção: «Videojogos, particularmente os mais imersivos como os que são jogados em realidade virtual, podem causar no jogador, se não um conflito entre a realidade e a ficção, um desejo em viver num mundo virtual». André Silva explica que este desejo de fuga não é exclusivo dos videojogos: «Não há (ainda, pelo menos) evidências de que os videojogos são especiais no que concerne ao desejo de escape, tendo outros conteúdos, como filmes, séries, ou livros, um efeito idêntico».

No que toca a atos violentos como o ocorrido em Azambuja, esclarece que «não existe uma relação direta entre jogar videojogos violentos e cometer atos violentos». Segundo o especialista, a exposição a videojogos violentos não é suficiente para causar este tipo de comportamento: «Indivíduos particularmente suscetíveis pelos fatores enumerados acima poderão usar um videojogo como inspiração para um ato violento, mas não mais do que livros, filmes, séries, ou mesmo relatos nas notícias».

Para mitigar os efeitos negativos dos videojogos, o especialista considera que «a negociação de regras e de limites de consumo, a discussão em família sobre o conteúdo dos videojogos e o co-playing – quando pais ou educadores jogam os jogos com as crianças ou adolescentes – poderão ter sucesso na mitigação dos potenciais efeitos negativos destes conteúdos». No entanto, observa que «pais e educadores continuam a estar pouco sensibilizados para os efeitos negativos dos videojogos, mas também para os efeitos positivos deste conteúdo».

Finalmente, o especialista alerta para sinais de comportamento agressivo emergente em crianças que jogam videojogos violentos: «Aumento da irritabilidade e hostilidade quer em casa quer fora desta (…) um decréscimo em comportamentos pró-sociais como a voluntariedade, a partilha, a cooperação, o altruísmo, e a empatia (…) o isolamento social ou alteração súbita do grupo de amigos (…) um menor aproveitamento escolar; e dificuldades a dormir ou a regular emoções». Caso estes comportamentos sejam notados, sublinha a importância de um acompanhamento especializado, indicando que «um psicólogo é o profissional competente para compreender o historial da criança ou do adolescente».

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