A ébria entrevista a Van Hooijdonk na mártir praça de Kharkiv

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«Palavras à Sorte» é a rubrica diária dos jornalistas do zerozero durante o Euro 2024. Todos os dias, na Alemanha ou na redação, escrevemos um apontamento pessoal sobre a competição e todas as sensações que ela nos suscita.

Melancolia aprazível. Pensar na Ucrânia forte, na Ucrânia livre e segura. 

Euro2012, odisseia de quilómetros, reportagens, entrevistas, noites sem dormir. 

Porto - Lisboa, Lisboa - Munique, Munique - Poznan. E daí ainda mais para leste, a seguir os passos da Seleção Nacional. 

Lviv. Lviv é uma cidade de ideias e bom gosto, o toque ocidental a temperar os humores, um centro histórico a fazer lembrar os prazeres de Praga e Bruges. 

Ah, e no futebol Portugal perde contra a Alemanha. Nada de novo. Dias depois, o bom do Silvestre Varela marca na hora certa à Dinamarca. 

Kharkiv. Arquitetura retro, uma urbe a régua e esquadro, evidente influência soviética. E a majestosa Freedom Square (Maidan Svobody), agachada aos pés de um gigante Lenine de ferro. 

A Holanda é o adversário e o mar é laranja. Lá pelo meio, de cerveja a meio e caracóis imaculado, uma face familiar. 

Pierre van Hooijdonk. É mesmo ele, o avançado ex-Benfica, exímio batedor de livres? Confirmado. 

De gravador em punho e óculos Ray-Ban, lá vai o jornalista. E Pierre fala, fala, fala até mais não. A cerveja ajuda e a sentença é dura.

«A Holanda não tem hipóteses, vai perder.» 

Bingo, 2-1 para Portugal e um Cristiano inclemente. Ai as saudades, ai, ai.

Intervalo para conhecer Varsóvia, uma cidade de duas faces na Polónia. O ar antigo, herança do bloco comunista, e o lado contemporâneo. De abrir a boca. 

Donetsk. O mirífico parque desportivo da Donbas Arena, a pernoita na Reserva Natural de Komsomolskoye, a agitação nas ruas vibrantes.

Pesquiso no google: «KO-M-SO-MOL-S-KO-YE». Resultados perturbadores. «Batalha de Komsomolskoye», «Massacre de Komsomolskoye», violência gráfica e explícita. 

Agonizante. 

Das Kharkiv e Donetsk visitadas em 2012, pouco resta. De Lviv, segundo me dizem, as notícias são mais serenas. Em 12 anos, tudo muda nesse país do meu primeiro Europeu.

Dos fragmentos líricos e sociais guardo a melhor das impressões. Lembro-me de caras, de personagens, de histórias contadas. E dessa entrevista imprevista, quase ébria, ao simpático Pierre. 

Percorro as ruas, os prédios e os estádios de um defunto. Um exercício duro, uma exumação feita de palavras e memória.

Poznan - Munique - Lviv. 

Poznan - Munique - Kharkiv. 

Poznan - Munique - Donetsk. 

Milhas aéreas, milhões de carateres, um retrato distópico de um país desfeito, de uma cultura invadida. 

Que o futebol jamais nos distraia do essencial.

Que o futebol seja sempre uma plataforma para o primordial.  

O Mundial de 2026 está a dois anos de distância. Que o American Dream não se torne um baile de marionetas. 

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