Ataque da NATO em 2011. Dinamarca admite ter atingido civis líbios na era de Kadhafi

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A organização Human Rights Watch denunciou, na altura, que havia mais de 70 vítimas civis, mas a NATO reiterou que todos os alvos na Líbia eram objetivos militares e, portanto, sujeitos a ataques.

Documentos agora divulgados, sob direito à informação, esclarecem que a Força Aérea dinamarquesa concluiu, logo em 2012, que dois ataques de F-16 estavam inscritos em relatórios sobre vítimas civis.O facto de esta informação não ter sido tornada pública, na altura, impediu que familiares dos líbios mortos exigissem indemnização ou reparação, porque desconheciam o país que estaria por trás do bombardeamento.

Além da Dinamarca, os países envolvidos nos bombardeamentos de alvos na Líbia incluíam os EUA, Reino Unido, França, Bélgica, Canadá, Itália, Noruega - todos membros da NATO - e o Qatar e os Emirados Árabes Unidos. O dinamarquês Anders Fogh Rasmussen era à data o secretário-geral da Aliança Atlântica. 

As missões de bombardeamento faziam parte da operação Unified Protector liderada pela Organização do Tratado do Atlântico Norte, que decorreu durante seis meses, a partir de 31 de março de 2011.

Esta operação desembocou no derrube da ditadura de Muammar Kadhafi. Porém, abriu portas a um período de instabilidade no país do norte de África, que permanece dividido entre o leste e o oeste, após um período de guerra civil.


Coronel Muammar Kadhafi na 12ª cimeira da União Africana, a 2 de fevereiro de 2009, em Adis Abeba, Etiópia | Marinha dos EUA via Wikimedia Commons

Mortes civis

Entre os dez países que bombardearam a Líbia, a Dinamarca é o primeiro a reconhecer uma ligação com os ataques aéreos que terão morto civis. 

Esta reação foi desencadeada por uma investigação conjunta entre o Altinget, um site de notícias dinamarquês, o órgão de vigilância de danos civis Airwars e a publicação britânica The Guardian.

Os documentos relevam que os caças dinamarqueses, entre outras operações, "estiveram envolvidos num ataque aéreo em Surman, a oeste de Trípoli, a 20 de junho de 2011, que matou 12 civis, incluindo cinco crianças e seis membros de uma família". O relatório também dá conta de um atentado bombista num um bloco de apartamentos em Sirte, no centro da Líbia, a 16 de setembro de 2011, que matou duas pessoas: um homem e uma mulher grávida de cinco meses.

O Ministério da Defesa da Dinamarca foi confrontado com os dados que demonstram que a Força Aérea dinamarquesa participou em ataques aéreos na Líbia que mataram pelo menos 14 civis em 2011.


Imagens das vítimas mortais no complexo residencial em Surman, incluindo cinco crianças | Fred Abrahams/Human Rights Watch

Os documentos da Força Aérea, em dinamarquês, depois serem cruzadas as datas, confirmam que os F-16 participaram nos ataques aéreos em Surman e Sirte. Em cada caso, um segundo país esteve envolvido, mas o nome permanece sonegado, o que significa que continua a ser possível que os militares de outro país tenham lançado as bombas.

O Ministério dinamarquês da Defesa, em comunicado, declara que, o processo está a ser reavaliado: “O ministro da Defesa solicitou ao Comando da Defesa que avaliasse se os documentos em questão indicam que tenha havido ramificações de tal magnitude para determinar se deveria ter sido conduzida uma investigação naquele momento no âmbito da coligação ou da NATO”.

Logo à data da operação, as autoridades dinamarquesas concluíram que “não se pode excluir a possibilidade de vítimas civis durante a condução destes ataques”, mas tal informação foi considerada secreta.
Queixa dos cidadãos líbios

A mulher e dois filhos de Khaled al-Hamedi foram mortos no ataque a Surman. O cidadão líbio tentou apresentar uma queixa contra a NATO, mas sem sucesso, porque o tribunal de recurso belga concluiu, em 2017, que a aliança militar tinha imunidade de processo.

O pai de Al-Hamedi, uma figura importante do regime de Kadhafi, era dono do complexo de Surman, alvo do ataque. A NATO tinha identificado a área como um "nódulo de comando e controlo", mas o cidadão líbio contestou a afirmação militar, descrevendo-o como residencial.

O cidadão pondera agora apresentar uma queixa contra os militares dinamarqueses. “Quero que primeiro nos declarem o seu erro”, afirmou Hamedi. E acrescenta que, para além de pedir uma indemnização, quer ainda que “a Dinamarca, ou quem quer que seja o responsável, peça desculpa”.

A Human Rights Watch argumenta que, como exigido pelo Direito Internacional, a NATO “deverá proporcionar uma compensação imediata e adequada às famílias pelas mortes e ferimentos de civis e pela perda de bens”. Por isso, quando a NATO acredita ter conduzido um ataque a um alvo militar que resultou em vítimas civis de acordo com as leis da guerra, “deverá tornar pública a informação sobre o alvo”, afirmava o relatório da HRW em maio de 2012.

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