FUTSAL | Mundial sem Itália e Japão: duas tragédias com contornos diferentes

2 semanas atrás 44

De quatro em quatro anos, as maiores potências do momento reúnem-se para disputar o Campeonato do Mundo. A poucos dias do arranque de uma nova edição da prova, quando fervilha em cada um de nós a ansiedade caraterística destas fases finais, que nos leva a desesperar por aquele nome que não conhecíamos e vai surpreender de tal maneira que o vamos passar a acompanhar para o resto da vida, é também um bom momento para recordar aqueles que outrora foram grandes figuras, mas que agora vivem tempos sombrios. À cabeça, Itália e Japão.

Duas crises diferentes. A tragédia transalpina é de proporções já bem conhecidas, até porque não é de agora, mas o naufrágio japonês ainda está bem fresco na memória. O falhanço no apuramento para o certame, definido via Taça Asiática, apanhou o mundo do futsal de surpresa.

«O lugar do Japão no top-4 asiático está comprometido»

«Quando vi o Japão perder por 2-3 contra o Quirguistão no primeiro jogo da Taça Asiática, tive flashbacks de 2016/2017», contou ao zerozero o especialista em futsal japonês, Steve Harris. «2016 foi o ano em que o Japão falhou a qualificação para o Mundial da Colômbia, perdendo contra o Quirguistão no último jogo, e 2017 foi o ano em que o Shriker Osaka se tornou a única equipa que não o Nagoya Oceans a vencer a F.League. A equipa era treinada por Kenichiro Kogure, o selecionador japonês neste fiasco de 2024», prosseguiu. 

qÉ difícil dizer se é um falhanço isolado ou um problema estrutural, porque não há qualquer entrevista de Kogure ou de qualquer um dos jogadores sobre o que se passou

Steve Harris

Na ótica de Harris, o falhanço nipónico no apuramento pode estar relacionado com a filosofia habitual do selecionador: «O Osaka de Kogure acabou a fase regular de 2016/17 em primeiro lugar de forma destacada, mas foi para o play-off com um plantel que tinha sido espremido ao máximo. Kogure usou e abusou de sete ou oito jogadores para conseguir vencer o play-off, um deles o Arthur de Oliveira, e eu acho que ele tinha a mesma coisa em mente para esta Taça Asiática. O Arthur e o Shimizu Kazuya, os dois jogadores mais importantes, não iam estar presentes e penso que ele se precipitou em usar poucos jogadores nesse jogo de abertura. Foi uma falha séria e que tirou confiança ao Japão, que foi o que tinha acontecido no pesadelo de Tashkent, em 2016.»

Perceber as razões do fracasso de uma forma mais aprofundada torna-se um exercício, no mínimo, traiçoeiro. Segundo Harris, é muito difícil perceber se o falhanço nipónico é um caso isolado ou o início de algo maior, até porque da parte dos intervenientes... apenas silêncio. «É difícil dizer se é um falhanço isolado ou um problema estrutural, porque não há qualquer entrevista de Kogure ou de qualquer um dos jogadores sobre o que se passou. Eu acho que foram as más decisões técnicas no primeiro jogo que afetaram a moral da equipa. O Japão passou pelo mesmo em 2016 e também não conseguiu recuperar, portanto talvez seja sinal de fraqueza mental, o que não é bom», afirmou.

Para o Japão não há dúvida de que não estar no Campeonato do Mundo é um falhanço. Contudo, o azar de uns é a oportunidade de outros: «Embora a base japonesa continue a ser muito forte, é inegável que o seu lugar no top-4 asiático está comprometido por uma lista crescente de seleções que se têm fortalecido. A Ásia vai ter neste Mundial as seleções do Irão, Usbequistão, Tailândia e os estreantes Tajiquistão e Afeganistão. Todas elas mereceram o lugar e isto é só raspar a superfície. O Japão podia ter ido, claro, mas também podiam ter ido o Vietname, a Indonésia, o Iraque e o Quirguistão. O futsal na Ásia está em altas e embora neste Mundial possamos não ver muitos pavilhões cheios, não tenham dúvidas de que vai ser um grande acrescento ao desporto nesta região.»

«Não acredito que a Itália possa ser competitiva a curto prazo»

Ausente do último Campeonato do Mundo e eliminada na fase de grupos do último Campeonato da Europa, a Itália voltou a falhar a qualificação para a maior competição de todas. Il Canto degli Italiani não vai constar, mais uma vez, na banda sonora da prova, mas em terras transalpinas há esperança para o futuro. A palavra de ordem é, contudo, paciência.

«O futsal italiano está numa fase de transição para uma nova era, iniciada pelo presidente Luca Bergamini, em 2021, e que em breve vai ter uma nova cara do movimento, uma vez que o presidente não vai concorrer a uma reeleição», começou por nos dizer Valerio Scalabrelli, especialista em futsal italiano.

Na ótica de Valerio, os transalpinos precisam de ser pacientes e confiar no processo que começaram a desenvolver. Porém, como é que se diz a uma potência que tem que ficar algum tempo fora da corrida para se reagrupar? Tarefa difícil.

«Para a Itália voltar à glória do passado é preciso paciência, uma virtude que quem está acostumado a grandes resultados com o mínimo esforço não possui. A reforma levada a cabo por Bergamini, que implica a inclusão de um certo número de jogadores formados localmente no elenco, precisa de tempo para maturar. Não acredito que a Itália possa ser competitiva a curto prazo, mas de certeza que, com o novo caminho traçado, o objetivo será qualificar-se para o próximo Europeu e, mais importante, para o próximo Mundial», afirmou. 

qPara a Itália voltar à glória do passado é preciso paciência, uma virtude que quem está acostumado a grandes resultados com o mínimo esforço não possui

Valerio Scalabrelli

O estado atual do futsal italiano, segundo Scalabrelli, deve-se à falta de capacidade do país em atualizar-se e acompanhar a evolução do resto da Europa: «Não foi simplesmente estarmos demasiado dependentes dos jogadores de origem brasileira, mas também não termos aumentado o nível competitivo das ligas jovens e criado um percurso ideal para os jovens que saem dessas categorias. Dispersámos o talento. E há o fator do futsal estar a crescer em toda a Europa e do nível estar a ficar mais equilibrado. Por isso, a Itália é obrigada a atualizar as estratégias para desenvolver os seus talentos, que se tornaram obsoletas. Com esta nova reforma e a chegada de Salvo Samperi para selecionador, vamos começar a colher os primeiros frutos.»

Há mais um ponto a ter em consideração: o próprio campeonato italiano. Seria fácil fazer uma ligação entre a queda do rendimento da seleção com a queda do nível da competição interna. Seria fácil... e errado. «Tenho uma opinião que talvez não seja popular: o nível nunca caiu. Jogadores talentosos continuam a chegar, apesar do limite imposto pelas novas regras, e isso é bom para o crescimento do talento local. O Feldi Eboli bateu-se de igual para igual com o FC Barcelona e ficou perto de surpreender o Riga FC, que montou um projeto para ser o underdog europeu», atirou Scalabrelli.

Na ótica do nosso convidado, o problema terá residido em algumas escolhas do anterior selecionador, embora procurar culpados seja a última coisa para se fazer nesta fase. «Alguma responsabilidade provavelmente recai nas convocatórias e escolhas táticas de Massimiliano Bellarte, embora seja dos melhores treinadores italianos e tenha ajudado Itália a levantar-se muitas vezes. Mas estar à procura de um culpado não é o ideal. É preciso criar uma cultura sólida e inclusiva no nosso futsal, algo que foi pouco e mal trabalhado até agora», concluiu.

O caminho italiano é bem mais longo do que o japonês, assim parece. Certo é que, nesta fase, duas das grandes potências do futsal mundial não têm bilhetes para o Usbequistão. O tempo é de lamber as feridas... e colocar mãos à obra.

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