Grácia que emprega ucranianas e russas em Braga lança Mhodzi

8 meses atrás 94

Tudo começou em 1994, quando Grácia Sofia se licenciou em Engenharia Têxtil e de Vestuário na Universidade Lusíada de Famalicão, sua cidade natal. Tirado o "canudo", debutou profissionalmente na na Constampa, em Vizela, como responsável de planeamento da empresa.

Entre trabalho e almoços, comentou com uma colega da empresa o desejo adormecido de formar o seu próprio negócio de moda.

Ao fim de cinco anos ao serviço da Constampa, Grácia e a amiga saíram da empresa de estamparia e constituíram uma sociedade, mas pouco durou.

"Ao fim de dois anos, as coisas não correram bem, tínhamos formas de ser diferentes e decidi avançar sozinha", contou ao Negócios.

A solo, começou por trabalhar com uma mulher de nacionalidade ucraniana com "grande capacidade técnica", em Famalicão. Poucos meses depois, já eram três.

"Na altura, não tinha dinheiro para investir em nada grande, nem em espaço nem em máquinas. Pensei: ‘Se estas pessoas têm uma mais-valia, que é o trabalho manual, por que não enveredar por aqui?’", relembrou a empresária, de 47 anos.

Dar nova vida aos desperdícios têxteis

Às portas de Famalicão, perto de onde hoje se situa o Parque da Devesa, o pequeno negócio surgiu em 2005. Grácia Sofia recorda o primeiro trabalho para uma empresa de Barcelos, que consistia em dar forma a pequenos bocados de tecido e construir uma aplicação para t-shirts.

No mesmo ano, motivos pessoais levaram Grácia a mudar-se para Braga. Deixou a casa e espaço de trabalho para trás, mas as três mulheres que trabalhavam consigo seguiram-na até à "cidade dos arcebispos".

A preocupação do negócio era só uma: transformar os excedentes de produção do setor têxtil e dar-lhes uma nova vida, de forma a combater o desperdício.

"Tudo aquilo que possa imaginar que é feito à mão, nós fazemos. Desde acessórios, vestuário, têxteis-lar, joalharia, calçado, entre outros. São feitos por pessoas que têm amor àquilo que fazem", enfatizou.

Aliada à preocupação ambiental está a criatividade, um dos pilares da alma do negócio. Em março de 2023, o atelier criou uma aplicação com flores luminosas feita a partir de desperdícios têxteis e painéis solares que tinham o lixo como destino.

"Eu quero que as peças traduzam isto. E isto dá trabalho. Olhar para uma peça que está no fim de vida e dar-lhe uma nova dá trabalho", reiterou. "Quero que as pessoas comprem um acessório nosso e tenham noção daquilo que estão a comprar", sintetizou a empresária.

Mas o negócio só se consegue fazer com uma grande comunicação entre as empresas com quem trabalha, isto porque os pedidos que recebe são "todos desafiantes". Antes, procuravam-na apenas para execução de ideias já formadas; agora, a equipa da empresária de Braga também participa na sugestão do produto final.

"Hoje vou ao encontro daquilo que os clientes querem, tenho de me saber adaptar àquilo que eles oferecem. Os problemas dos clientes passam a ser os nossos problemas. É a minha mentalidade e a de todos que aqui trabalham", sustentou.

"Os clientes satisfeitos vão passando a palavra a outros tantos." E é assim que o pequeno atelier vai crescendo – de quatro passou a empregar 19 pessoas, tantas quanto o número de anos do negócio que Grácia Sofia diz amar.

Ucrânia e Rússia dentro do mesmo atelier

Sem detalhar o número de trabalhadoras de nacionalidade russa que tem ao serviço, a empresária revela que "a equipa é maioritariamente a ucraniana, onde apenas eu e dois colegas somos portugueses".

No rebentar da guerra na Ucrânia, a 24 de fevereiro de 2022, a relação entre as trabalhadoras das duas nacionalidades era "silenciosa", como o Negócios, então, noticiou. No pequeno espaço de trabalho, que chegou a acolher refugiados de guerra, a dinâmica mudou passados quase dois anos.

"Foi o ano mais difícil da empresa. As pessoas saberem que têm familiares na Ucrânia e terem de lidar com isso diariamente num dia de trabalho não é fácil, mas tomaram consciência de que a realidade é só uma e não vale a pena entrar em conflito", afirmou a empresaria, que decidiu criar a pulseira "Ucrânia", no valor de dois euros cada, para apoiar o fundo de emergência da Cruz Vermelha Portuguesa, para o qual reverteu a totalidade dos fundos angariados: 2.692 euros.

Crescimento e renovação de inspiração Shona

Com quase duas décadas a pedalar a sua própria bicicleta empresarial, Grácia Sofia já vende para todo o país, mas é no exterior que o negócio ganha corpo: as exportações representam cerca de 80% da faturação, garantiu. A Inglaterra é o maior mercado, mas também tem clientes em França e Itália, realçou, sem revelar o valor da faturação, garantindo apenas que "o crescimento anual tem sido de 15%/20%".

"O primeiro objetivo foi que a nossa marca cative o exterior. Todos nos empenhamos para pôr uma marca de acessórios fora de portas. Depois disso, começou a surgir a ideia de construir algo que fosse ‘nosso’", sublinhou.

A confiança na qualidade e no cumprimento de prazos de entrega da sua equipa levou a que pensasse "num patamar mais alto, em peças de luxo", mas sempre com o cunho artesanal associado. Depois dos desafios da pandemia e da guerra na Ucrânia, surgiu a vontade de ter "algo nosso".

Grácia Sofia começa 2024 com o lançamento da loja online da nova marca de acessórios sustentáveis, feitos totalmente à mão com materiais que seriam descartados: a Mohdzi, "termo que provém do dialeto Shona, uma tribo que vive no Zimbabué. Significa semente e representa crescimento e renovação", explicou.

"A Mhodzi é a nossa marca, representa os ideais da nossa equipa e será um cliente da Grácia Sofia. São peças que demoram horas a serem feitas, à mão, com a preocupação ambiental e social que temos desde o início", afiançou a dona do atelier.

A coleção conta com todo o tipo de acessórios, desde colares a anéis, feitos com pormenores de porcelanas recicladas. Toda a produção segue a lógica sustentável que marca a empresa desde o início - as etiquetas das peças podem ser plantadas e as embalagens (caixas) foram cedidas por um cliente.

* Texto editado por Rui Neves

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