Jurista Rui Verde alerta que processo de transição em Angola exige consenso alargado

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A sua posição foi hoje expressa durante a Conferência sobre a Organização do Estado em Angola, uma iniciativa da UFOLO Centro de Estudos para a Boa Governação, quando abordava o tema "Uma Constituição para Além da Transição e uma Transição para Além da Constituição", inserido no painel sobre "A Constituição e os Desafios Políticos Atuais".

"Muitos pensam que, em 2027, basta a UNITA [União Nacional para a Independência Total de Angola, maior partido da oposição] ganhar as eleições e que será feita uma transição e que tudo estará resolvido", alertou o jurista e docente da Universidade de Oxford e da Universidade de Paris Cité.

Rui Verde disse ter dúvidas que assim seja, olhando para questões estruturais, ou seja, "a falta de experiência em situações de alternância em Angola, a existência de interesses entrecruzados com clãs familiares e toda a história de hostilidade passada".

"Tenho dúvidas que esta mera transição eleitoral seja possível", declarou.

O académico realçou que a transição em Angola não pode estar assente apenas em mecanismos jurídico-constitucionais existentes, mas "deve-se procurar um consenso alargado, que envolva forças de defesa e segurança, a sociedade civil, as igrejas, eventuais terceiras vias, as forças económicas, sabendo que todos têm que ceder um pouco, para fazer sacrifícios e construir consensos".

Fazendo um paralelismo ao que aconteceu em Espanha, no processo de transição, com a sucessão do ditador Francisco Franco para o Rei Juan Carlos, o jurista frisou que "não basta o direito, não bastam as normas constitucionais, é preciso juntar a realidade política para haver sucesso em qualquer movimentação".

Segundo Rui Verde, em Espanha, a transição soube combinar a política e o direito.

"Chamaram os comunistas, os socialistas, mas ao mesmo tempo, como eram do regime, garantiram a fidelidade dos militares, das forças de segurança, das elites e conseguiram juntar toda a gente com o objetivo de criar uma democracia em Espanha e uma economia de mercado, afastando ao mesmo tempo as tentativas reacionárias a que forças militares e de segurança estavam ligadas, porque juraram lealdade, mas também afastaram as tentativas mais radicais de mudança", exemplificou.

Por isso, disse não acreditar que a transição em Angola "seja pura e simplesmente fazer uma mudança, pela mera vitória eleitoral de outro partido. Será sempre uma mudança fictícia ou que gerará muito turbilhão ou muita confusão".

"É preciso que exista nas novas lideranças, que vão sair dos congressos agora da UNITA e do MPLA [Movimento Popular de Libertação de Angola, partido no poder desde 1975], uma noção da responsabilidade histórica futura, de criar um pacto para as futuras gerações", acrescentou.

Para Rui Verde, só depois "deste processo político, pode-se pensar numa convenção nacional constituinte, a tal nova Constituição que muita gente fala, que gera uma Constituição pactada sujeita a referendo, que corresponda finalmente às expectativas do povo".

De acordo com Rui Verde, Angola é um país em transição desde 1975, ano da sua independência, e a última iniciou-se em 2017, com o Presidente angolano, João Lourenço, tentando fomentar uma transição interna, "isto é, dentro do próprio regime, dentro do próprio sistema, implementar uma nova transição".

"A tentativa de João Lourenço acelerou a história. O MPLA de hoje não é o de 2017, as relações internacionais não são as de 2017, a sociedade, a economia, tudo acelerou, tudo mudou, tudo está num grande turbilhão. Houve uma aceleração da história", considerou.

Rui Verde sublinhou que, com esta aceleração da história no mundo, no país lusófono "todos os factos que eram dados como adquiridos, nos últimos dez anos, neste momento não são".

"Atualmente o melhor amigo de Angola parece que já não é a China, vai ser os EUA, atualmente parece que o MPLA já não é invencível, até pode perder as próximas eleições", argumentou.

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