O sorriso largo de Mariana Mortágua depois da frase de Pedro Nuno Santos não enganava: a coordenadora bloquista conseguia, por via de uma pergunta do jornalista da RTP, pelo menos uma meia resposta. "Quando alguém olha para mim, evidentemente, sabe que há disposição para se construir uma solução de governo que não exclua o Bloco, com quem trabalhei vários anos", afirmara o líder socialista depois de lembrar os quatro anos "de boa memória" da chamada "geringonça", em que o PS se entendeu com o Bloco, o PCP e o PEV.
Pedro Nuno Santos até admitiu mais: lembrou que o Bloco trabalhar com o PS "nem seria uma novidade" e que sempre defendeu "acordos escritos", como aconteceu na primeira legislatura (2015). "E correu bem." Mas nunca pré-eleitorais. "Se fosse para isso tínhamos feito uma coligação. Não fizemos e cada partido está a defender o seu programa. Estamos concentrados em mobilizar os portugueses para o PS ter uma vitória."
Já Mariana Mortágua prefere o casamento de papel passado porque os dois líderes devem ter a "responsabilidade de apresentar uma solução de estabilidade e virar a página da maioria absoluta", e porque acredita que "é a clareza do que vai acontecer após as eleições que mobilizar as pessoas para o voto".
Pedro Nuno Santos e Mariana Mortágua só concordaram "em absoluto" (palavras do primeiro) na justiça: a procuradora-geral da República fez bem em vir a público falar da demora da operação da Madeira; é preciso reduzir as custas judiciais e clarificar as relações de hierarquia dentro do Ministério Público, mantendo a autonomia e independência face ao poder político. E ambos fugiram a responder se mantêm a confiança em Lucília Gago.
Apesar do ambiente de flirt, os dois discordaram em tudo o resto. Mariana Mortágua tem como "objectivo de soberania (...) recuperar o controlo estratégico e renacionalizar" a REN e os CTT na próxima legislatura, a EDP e a Galp na seguinte. "Para nós não é prioridade e não está no nosso horizonte recuperar privatizações", recusou Pedro Nuno. "Não podemos estar sempre a desfazer."
Na saúde criticaram-se as soluções para profissionais e para a estratégia. Mariana Mortágua quer a exclusividade dos médicos paga a 40%, Pedro Nuno considera que a dedicação plena com 43% sobre o salário base é suficiente e diz que a exclusividade não seria aceite. A bloquista quer maior aposta e aumento da capacidade do SNS e critica as opções da maioria absoluta; Pedro Nuno desfia uma série de propostas de investimento, dos centros de saúde aos hospitais, passando pelos lares, para reduzir o recurso ao privado e foge à pergunta sobre PPP, dizendo que gostaria de dar aos hospitais a autonomia que estas tinham.
Na habitação, o socialista argumenta com as regras europeias para recusar a proibição de venda de casas a não residentes e diz que nenhum accionista de um banco (nem mesmo o Estado com a CGD) pode obrigar a baixar spreads. A bloquista insiste nas propostas e culpa o PS pelo aumento do preço das casas.
O debate acabou com mais medidas a afastar os dois líderes do que aquelas que os juntaram. O líder do PS, que começara o debate a dizer que ainda não lhe tinha sido feito qualquer repto por parte do Bloco, levou o troco mesmo no final: Mariana Mortágua aproveitou a sorte de lhe caber a última intervenção para o olhar nos olhos e desafiar.
"Há três certezas deste debate: não vai haver maioria absoluta, sabemos que não vai; a única hipótese de solução estável é haver um entendimento com a esquerda; e esse entendimento ser para virar a página na saúde, na habitação e nos salários." Facetas fundamentais para um casal ser feliz – para além do sentimento.