Sistema prisional: Portugal foi a exame na Europa e já recebeu a nota final

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Escrevi aqui anteriormente que o sistema prisional português iria ser avaliado pelo Conselho da Europa (CdE), na sua reunião que teve lugar em Estrasburgo, entre 17 e 19 de setembro. Poucos dias passados, já são conhecidos os resultados.

A avaliação do CdE começa por um elogio ao esforço realizado por Portugal na criação de melhores condições nas prisões. Trata-se de uma cortesia diplomática para motivar Portugal a continuar a investir nesta área. Mas não só: tal reconhecimento tem algum fundamento, pois tem-se avançado alguma coisa, embora de modo insuficiente, na modernização das prisões.

A título de exemplo, aponta-se a recente proposta de integração da saúde prisional no Serviço Nacional de Saúde (SNS), tendo já sido instalados gabinetes do SNS nas prisões que permitem consultas médicas por videoconferência; a aprovação da possibilidade de instalação de telefones fixos nos alojamentos, aumentando a privacidade dos contactos com a família; e o lançamento do projeto de criação de uma plataforma digital que permite o acesso dos reclusos à internet em ambiente seguro.

Estes investimentos são essenciais, não apenas para a dignificação das condições de vida dos reclusos, mas também para o reforço da segurança da comunidade. Prisões que asseguram cuidados de saúde aos reclusos, que permitem que estes mantenham os seus vínculos familiares e que se liguem ao mundo através da informação, são prisões que contribuem para a reinserção social e para a redução da taxa de reincidência e, por isso, deixam-nos a todos mais seguros.

Contudo, a avaliação do CdE também aponta os problemas que continuam a afetar as prisões portuguesas. Darei destaque a dois: a degradação das infraestruturas e a sobrelotação.

Em primeiro lugar, Portugal aprovou em 2022 e 2023 um plano global de 90 milhões de euros para a requalificação de infraestruturas prisionais, incluindo a substituição do Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL) que já não tem condições mínimas para funcionar. Contudo, nas notas do seu secretariado, o CdE critica Portugal por prestar informação muito vaga e insipiente sobre os detalhes operativos e orçamentais da execução do referido plano.

Infelizmente, a vaguidade e insipiência da informação prestada por Portugal ao CdE pode resultar da própria vaguidade e insipiência das intenções de Portugal de resolver, de forma efetiva, o problema da degradação das infraestruturas prisionais. A este propósito, é preocupante a notícia divulgada na semana passada pela comunicação social de que a substituição do EPL, que é a prisão portuguesa com maior número de reclusos, a par da prisão do Porto (dados de 31/12/2023), pode estar com um ano de atraso em relação ao programado.

A requalificação das infraestruturas prisionais é um tema de respeito pelos direitos fundamentais dos reclusos mas também de segurança prisional. Por exemplo, o rácio “número de reclusos por guarda prisional” das prisões portuguesas pode estar em linha com os valores dos nossos parceiros europeus. Contudo, isso pouco significa: um rácio de “3 reclusos por guarda” pode ser suficiente para garantir a segurança numa prisão moderna, e ser insuficiente numa prisão obsoleta, como são a generalidade das prisões portuguesas, onde os guardas têm de se multiplicar e desdobrar por vários postos. Por todas estas razões – por razões de dignidade dos reclusos, mas também de segurança prisional – a requalificação do parque prisional tem de ser eleita, no futuro, como objetivo prioritário da ação governativa.

Em segundo lugar, o CdE volta a assinalar, com preocupação, a ausência de uma estratégia global do Estado Português, integrada numa política penal coerente, que resolva, de forma definitiva, as causas da sobrelotação prisional. Este é o ponto mais negativo da avaliação.

O problema da sobrelotação prisional não se resolve, apenas, com o aumento da capacidade das prisões: isso constituiria uma estratégia inviável do ponto de vista económico e irracional do ponto de vista da política criminal. Conforme apontado pelo CdE, é necessário adotar uma estratégia global que inclua, também, a promoção das medidas alternativas ao encarceramento, as quais dependem de uma estrutura eficiente de reinserção social.

Nesse sentido, é preocupante a ideia que tem vindo a ser sustentada no debate público, de que o desinvestimento das últimas décadas na segurança prisional resultou de uma opção política de privilegiar o investimento na reinserção social. Não me parece que isso seja verdade. Ou melhor: o constante desinvestimento na segurança prisional é inquestionável. Mas não me parece que isso resulte de um reforço significativo do investimento na reinserção social.

Exemplo: no último relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção, tendo sido avaliadas 13 prisões, foi identificado como “fator de risco” a circunstância de 7 apresentarem escassez de atividades ocupacionais para os reclusos (cerca de metade) e 4 apresentarem escassez de oportunidades de trabalho para reclusos (cerca de um terço). Não me parece que estes números revelem um investimento faraónico do Estado português na reinserção social. Ao invés, parece que revelam o mesmo tipo de desinvestimento que afeta transversalmente o sistema prisional.

O tema da segurança prisional tem merecido a atenção da opinião pública, o que constitui uma oportunidade para se avançar na modernização das prisões e na necessária melhoria das condições de trabalho do Corpo da Guarda Prisional. Contudo, se o debate se tornar numa competição entre a segurança prisional e a reinserção social, em que cada uma tenta captar o máximo possível dos mínimos recursos públicos disponíveis, não se vai chegar a nenhuma solução positiva, pois trata-se de realidades indispensavelmente complementares. Não há reinserção social sem segurança prisional. Mas o inverso também é verdadeiro.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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