Tesouros ao alcance de todos

8 meses atrás 54

O modo como nos alimentamos é, de forma indiscutível, um dos principais fatores determinantes das doenças crónicas, com a evidência científica a apoiar a ideia de que alterações na dieta têm fortes implicações, positivas e/ou negativas, na saúde de cada um de nós durante toda a nossa vida.

O conceito atual de nutrição assenta no facto de alguns alimentos e/ou ingredientes, para além do seu papel nutritivo, apresentarem também um efeito fisiológico benéfico para o organismo. São chamados alimentos funcionais.

O mercado e o seu interesse por estes alimentos está a aumentar a nível global, existindo dados que indicam que será uma área de negócio que poderá envolver perto de 300 mil milhões de dólares em 2025, valor muito superior ao comparado com dados de há dez anos.

Vários autores descrevem os motivos por detrás deste aumento de procura, centrando-se no facto de existir um interesse cada vez cada maior por parte do consumidor em controlar a sua saúde utilizando os recursos que tem à sua disposição. Por outro lado, a esperança média de vida é, também, cada vez maior e, por consequência, a aquisição de alimentos úteis a um envelhecimento adequado surge como uma forte área de negócio.

A verdade nunca é ‘absoluta’

O marketing nutricional é, também, cada vez mais dinâmico e com um alcance populacional que muitas vezes nos surpreende.

O avanço da tecnologia no que diz respeito ao desenvolvimento de produtos alimentares e, mesmo, da produção de alimentos, conduziu a uma indústria e produção mais versáteis e, por fim, claro, à evidência científica que comprova a cada vez mais forte ligação entre a dieta e o risco de doença crónica.

Este último tópico, a associação cientificamente validada, entre dieta e doença crónica, é algo muito complexo e que merece reflexão. A riqueza nutricional de muitos alimentos é incrivelmente entusiasmante — algo, que na maioria das vezes, é desconhecido do consumidor —, mas conseguir investigar e tirar conclusões sólidas e definitivas sobre a relação entre o consumo de um determinado alimento e uma qualquer doença é extremamente complexo, dado que o número de variáveis em estudo é quase infinito.

Por esse motivo, surgem estudos a divulgar resultados que por vezes são contraditórios, e que fazem com que aquilo que hoje é uma verdade absoluta, amanhã afinal já não seja bem assim. O que hoje faz bem à saúde, amanhã já é visto com desdém. «Nascem» alimentos milagrosos à mesma velocidade a que desaparecem. Mas o desafio que me parece entusiasmante, decorre do facto de todos nós, inevitavelmente, necessitarmos de nos alimentar.

Diariamente, temos de fazer centenas de escolhas a esse respeito. E, presentemente, com o conhecimento que possuímos sobre a matriz dos alimentos, será só «leviano» não aproveitar o potencial benéfico dos alimentos.

Se temos informação que nos leva a perceber que alimentos ricos em aditivos, açúcares livres, gordura processada são desencadeadores de inflamação e doença, como é que, de forma mais ou menos objetiva (porque o ato de nos alimentarmos envolve muito mais do que a razão), não optamos mais vezes, e de um modo mais consciente, o benefício de pequenos diamantes nutricionais?

E falamos exatamente de quê?

Fazer uma seleção de alimentos que reúna aqueles alimentos que não deverão faltar na nossa dieta, é certamente falível, mas existem alimentos que pela certa terão o seu lugar no top 10 dos alimentos mais saudáveis a incluir no nosso dia a dia. O azeite extra virgem deverá ser dos primeiros dessa lista. Uma fonte de gordura com propriedades benéficas e rico em milhares de compostos antioxidantes.

O iogurte, que contém compostos nutricionais muito saudáveis, como vitaminas e minerais em formas com elevada biodisponibilidade (o que significa que conseguem ser bem «aproveitados» pelo nosso organismo), para além de ser um dos alimentos fermentados mais populares do mundo, goza de uma ampla aceitabilidade por parte do consumidor.

Também a aveia apresenta na sua constituição um tipo de fibras, as betaglucanas, cujo consumo está associado a menor risco de doença cardiovascular.

O alho e cebola são outros dois alimentos a incluir no menu diário. São desde há muito valorizados e utilizados pelo mundo fora, não só pelo sabor que conferem aos alimentos, mas também pelas suas aplicações terapêuticas. Apresentam um leque muito vasto de compostos bioativos, com impacto particular na redução das doenças cardiovasculares.

Também os vegetais crucíferos, como os brócolos, o repolho ou a couve-de-bruxelas, são fontes ricas de fitoquímicos com elevados benefícios para a saúde.

Os benefícios que se podem esperar da inclusão de certos alimentos na dieta estão amplamente dependentes do restante padrão alimentar por elas adotado. É frequente a ilusão de que, por se ingerir o alimento saudável a ou b, se obterão ganhos em saúde independentemente da restante alimentação (e outros estilos de vida) ser assente em alimentos poucos saudáveis.

A Dieta Mediterrânica: hoje e sempre uma referência

Neste campo, a dieta mediterrânica é hoje considerada pela UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, como fazendo parte do Património Cultural Imaterial da Humanidade e é considerada por muitos como o padrão alimentar de referência para a promoção de um bom estado de saúde e a prevenção da doença.

É caracterizada por um consumo elevado de alimentos de origem vegetal (cereais pouco refinados, produtos hortícolas, fruta, leguminosas e frutos oleaginosos); pela ingestão de produtos frescos, locais e sazonais; pela utilização predominante do azeite como gordura de eleição para cozinhar e temperar; pela ingestão moderada de laticínios; pelo consumo frequente de pescado e reduzido de carnes vermelhas.

Acresce que a água é a bebida de eleição e o vinho tinto deve ser consumido em moderação para acompanhar as refeições principais.

Por tudo isto, nunca tanto como agora, o ato de nos alimentarmos refletiu de forma tão clara a escolha que cada um de nós faz relativamente ao rumo que quer dar à sua saúde. À nossa disposição existem hoje alimentos que são verdadeiros tesouros nutricionais, que podem, de forma muito acessível, contribuir para a melhoria da saúde de cada um de nós.

Essa riqueza nutricional é encontrada em muitos alimentos atualmente acessíveis à grande maioria da população e cujo consumo deve ser promovido. Desperdiçar o potencial de saúde que estes alimentos nos fornecem de uma forma muito acessível é algo que é urgente de mudar.

Repor os produtos de origem vegetal na linha da frente do nosso padrão alimentar parece ser um excelente desafio para os próximos anos. Inverter as posições e dar primazia a fontes alimentares de origem vegetal parece ser a escolha certa para uma dieta saudável, determinante para vivermos mais anos com saúde, num planeta também ele mais saudável. Utilizar esses recursos facilmente disponíveis é um sinal de sabedoria e de consciência da importância que a alimentação desempenha no organismo de cada um de nós.

Catarina Sousa Guerreiro assina este texto na qualidade de autora do ensaio “Alimentos de Hoje”, editado em 2023 pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), no âmbito da parceria entre o Jornal Económico e a FFMS.

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