Aprovada morte medicamente assistida a jovem de 29 anos nos Países Baixos

5 meses atrás 90

Depois de um processo de três anos e meio, uma mulher holandesa de 29 anos, Zoraya ter Beek, recebeu a autorização final para o pedido de morte assistida na semana passada – com base "num sofrimento mental insuportável". De acordo com o jornal britânico Guardian, Zorarya deverá pôr termo à sua vida nas próximas semanas, ao abrigo de uma lei aprovada nos Países Baixos em 2002.

Este caso voltou a reacender o debate sobre a eutanásia, uma vez que a morte assistida para pessoas com doenças psiquiátricas nos Países Baixos continua a ser pouco comum.

A publicação relata que Ter Beek sofre de depressão crónica, ansiedade, traumas, perturbações de personalidade não especificadas e foi diagnosticada com autismo. Ao Guardian contou que, quando conheceu o seu companheiro teve esperança de que o ambiente seguro contribuísse para a sua cura, mas não aconteceu. "Continuei a magoar-me e a sentir-me suicida", relatou.

Fez tratamentos intensivos, incluindo terapias da fala, medicação e mais de 30 sessões de terapia electroconvulsiva (ECT), mas, apesar da esperança inicial, esta acabou por se ir perdendo, depois de dez anos de diferentes tratamentos, contou ao jornal britânico. "Não conseguia lidar com a forma como vivia agora", acrescentou.

Ter Beek terminou a ECT em agosto de 2020, mas sem melhorias acabou por aceitar que não havia mais tratamentos possíveis e, por isso, fez o pedido de morte assistida em dezembro do mesmo ano. A jovem relata que esteve "muito tempo em lista de espera" para ser avaliada porque há poucos médicos que aceitem participar na morte assistida de pessoas com sofrimento mental. Estas avaliações têm de ter uma segunda opinião que deve, posteriormente, ser revista por um médico independente e salienta que, a cada etapa do processo, há médicos que confirmam se o paciente quer mesmo avançar com o processo.

Apesar dos três anos e meio de duração do processo, garante que nunca hesitou na sua decisão, mas conta que se sentiu culpada pelo sofrimento da família, que não é "cega ao seu sofrimento". A discussão pública do caso de Ter Beek nos meios de comunicação causou-lhe muito stresse e gerou uma enchente de mensagens que a condenavam ou que sugeriam todo o tipo de soluções para o seu caso. A situação levou-a apagar as redes sociais.

"As pessoas pensam que, quando se é doente mental, não se consegue pensar corretamente, o que é insultuoso", defende. "Entendo os receios que algumas pessoas com deficiência têm em relação à morte assistida e as preocupações com o facto de as pessoas serem pressionadas a morrer", acrescentou, argumentando que, nos Países Baixos, a lei existe há mais de 20 anos. "Há regras muito rigorosas."

De acordo com a legislação do país, para poder avançar com a morte assistida, uma pessoa deve estar a passar por um "sofrimento insuportável sem qualquer perspetiva de melhoria" e deve estar plenamente informada e estar apta para tomar essa decisão. Após ter recebido a aprovação, a jovem disse estar "aliviada", depois de "uma luta muito longa".

De acordo com o jornal britânico, nos Países Baixos, em 2023, registaram-se 138 casos de morte por eutanásia por doença psiquiátrica, o que representa 1,5% das 9068 mortes por eutanásia no país. A eutanásia por doença psiquiátrica é permitida em quatro países, Holanda, Luxemburgo, Bélgica e Espanha.

Em declarações à Renascença, a especialista em bioética Ana Sofia Carvalho, considera que, "neste caso, se a pessoa tem uma depressão crónica e resistente a fármacos, não tem liberdade para tomar uma decisão verdadeiramente consciente".

"Portanto, automaticamente, não é aquilo que nós consideramos uma pessoa que tem a capacidade de consentir face a um caso dessa natureza. Claro que lhe dirão: 'Mas ela foi acompanhada por psiquiatras e os psiquiatras realmente garantiram que ela tinha capacidade de decidir e etc.'", argumenta Ana Sofia Carvalho. "É sempre muito complicado, porque uma pessoa que tem um caso dessa natureza está sempre presa e a pessoa nunca é verdadeiramente livre para tomar uma decisão."

A especialista em bioética defende também que "a medicina está a evoluir de tal forma" e que há vários "ensaios clínicos que são feitos com soluções altamente inovadoras para depressões resistentes a fármacos". Por isso, argumenta, "dizer numa altura destas, de progresso tecnológico e científico avassalador, que não há soluções... Quer dizer, não há hoje. Com certeza, ainda não encontrou a melhor solução, mas por certo, num futuro mais ou menos próximo, iria encontrar."

Um ano depois da promulgação do decreto da eutanásia, como está a situação em Portugal?

A notícia sobre o caso de Zoraya ter Beek foi conhecida esta quinta-feira, dia que marca um ano desde a promulgação por Marcelo Rebelo de Sousa do decreto sobre a eutanásia. O chefe de Estado promulgou o diploma sem qualquer comentário à decisão dos deputados da Assembleia da República, depois de o ter vetado duas vezes.

"Não, virá exatamente com a descrição da realidade. A Constituição diz que, uma vez vetado e confirmado pelo Parlamento, o Presidente é obrigado, forçado, a promulgar, ponto final parágrafo. Cito o artigo e é isso", referiu o chefe de Estado.

Apesar de ter sido aprovada em 2023, a lei não pode ser aplicada por não estar regulamentada. Em novembro do ano passado, o Governo do PS anunciou que não ia regulamentar a lei, decidindo incluir a questão no dossiê de transição para o atual Governo.

Por regulamentar estão duas questões: estabelecer o modelo de registo clínico dos pedidos de morte medicamente assistida e o modelo de relatório médico final. Falta também perceber como é que vai ser criada a Comissão de Verificação e Avaliação dos Procedimentos Clínicos de Morte Medicamente Assistida.

Ler artigo completo