Caso EDP: a fábrica do IKEA em Portugal, Vítor Escária e as viagens de Salgado

9 meses atrás 101

Várias testemunhas da defesa foram ouvidas na segunda-feira, incluindo Vítor Escária, a mulher de Ricardo Salgado e o ex-autarca de Paços de Ferreira.

O caso EDP encaminha-se para a sua reta final e os magistrados estão agora a ouvir as testemunhas de defesa. Na segunda-feira foram ouvidas várias testemunhas chamadas pela defesa do ex-ministro Manuel Pinho, e uma pela defesa de Ricardo Salgado, a sua esposa (ler texto infra).

Uma das testemunhas mais esperadas do dia era Vítor Escária, atualmente arguido no caso ‘Influencer’ depois de as autoridades terem encontrado 75.800 euros no seu gabinete no Palácio de São Bento. O chefe de gabinete de António Costa foi constituído arguido e foi exonerado do seu cargo.

No caso EDP, foi ouvido na condição de assessor económico dos governos de José Sócrates, durante o tempo em que Manuel Pinho foi ministro da Economia.

Foi inquirido pela advogada de Manuel Pinho, Inês Rogeiro, sobre se Ricardo Salgado era um participante habitual nas viagens oficiais do Governo socialista.

O economista e professor universitário recordou-se de o então presidente do BES ter estado presente durante uma visita oficial a Angola em 2006.

Questionou-o se Manuel Pinho tinha tido intervenção direta na integração do banqueiro nestas viagens, ao que respondeu negativamente.

Vítor Escária recorda que, só nesta viagem a Angola, a comitiva de empresários contava com 60 pessoas: “tentava-se identificar, em relação ao destino, quais as empresas que se justificava estarem presentes. Foi nessa condição que o presidente do BES foi convidado para ir”, respondeu, recordando que também estiveram presentes os líderes de vários bancos nacionais com presença, na altura, em Angola, como o caso dos presidentes da CGD, BCP, BPI e BIC.

E Manuel Pinho tentou interceder pelo BES junto de José Sócrates? “Do meu conhecimento, não”, respondeu.

O responsável também foi questionado sobre a criação do selo Projeto de Interessse Nacional (PIN) por parte do Governo de José Sócrates, argumentando que foi uma tentativa de captar investimento estrangeiro para o país, pois desde o início dos anos 2000 que o país “comparava mal” com os novos países da UE mais a leste.

“Foi nesse quadro que se sentiu a necessidade de ter um regime, uma estrutura, que acompanhasse investidores e projetos”, recordou, dando o exemplo da fusão de agências que deram origem à AICEP, para criar uma “one stop shop para os investidores”.

Sobre o projeto para a construção da refinaria Vasco da Gama, um projeto de Patrick Monteiro de Barros, que fazia parte do Grupo Espírito Santo (GES), Vítor Escária disse não se recordar se o projeto chegou a ter estatuto PIN, e que “não houve unanimidade” sobre a “vantagem de ter um projeto daquela natureza em Portugal”, numa altura em que o país estava a “apostar mais nas renováveis”.

Acrescentou não ter “memória” de Manuel Pinho ter intercedido pelo projeto, que constou de uma lista inicial de projetos (conhecidos por PIP – Plano de Investimento Prioritário) em 2005, mas que nunca avançou.

Neste caso, o Ministério Público suspeita que Manuel Pinho terá alegadamente recebido cinco milhões de euros, através de offshores, do antigo banqueiro Ricardo Salgado, para beneficiar o Banco Espírito Santo (BES) e o Grupo Espírito Santo (GES).

No julgamento do caso EDP, Manuel Pinho está acusado de dois crimes de corrupção passiva, um de branqueamento e um de fraude fiscal. Já Ricardo Salgado é acusado de dois crimes de corrupção ativa e um de branqueamento. No caso de Alexandra Pinho, mulher de Manuel Pinho, está a ser acusada de um crime de branqueamento e outro de fraude fiscal, em co-autoria com o seu marido.

Outra das testemunhas ouvidas na segunda-feira foi o ex-autarca de Paços de Ferreira, Pedro Pinto (PSD), que recordou o papel de Manuel Pinho na atração do investimento do IKEA para uma fábrica em Portugal localizada neste concelho.

O antigo edil recordou a intervenção de Manuel Pinho numa intervenção feita na Polónia, junto de responsáveis do IKEA, para tentar atrair o investimento para Portugal, o que acabou por acontecer, com Pedro Pinto a considerar que a participação do então ministro da Economia foi relevante para que a fábrica viesse para Paços de Ferreira.

O ex-autarca elogiou o “pragmatismo” de Manuel Pinho no dossier da fábrica do IKEA e também a “visibilidade” que deu a três empresas de Paços de Ferreira que tinham equipamento seu nos Jogos Olímpicos.

“O concelho de Paços de Ferreira ficou no radar do investimento, por força da disponibilidade e visibilidade” de Manuel Pinho, defendeu Pedro Pinto.

Recordou também que uma das avenidas do Parque Empresarial Multipark, em Paços de Ferreira, tem o nome de Manuel Pinho, fruto da homenagem que os empresários locais quiseram prestar ao ex-ministro que na altura já tinha saído do Governo, depois da polémica dos ‘corninhos’ no Parlamento.

Outra testemunha de Manuel Pinho, foi Luís Braga da Cruz, ministro da Economia de António Guterres, ex-deputado, ex-presidente do conselho de administração da Fundação de Serralves, professor catedrática na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.

Elogiou o papel de Manuel Pinho no fomento da eletricidade verde em Portugal: “não tenho dúvidas, foi um grande impulsionador das energias renováveis”.

Foi também questionado sobre como Manuel Pinho tem lidado com o facto de estar em prisão domiciliária há dois anos. “Há uma certa bonomia que ele tem com a vida. Não se queixava, estava conformado com a situação”.

Recordou que o ex-ministro teve a sua garrafeira arrestada e que ofereceu-lhe três garrafas para ajudar a repor o stock.

“Há uma sublimação” do seu “estado de sofrimento”. “Não se queixava, não se lamentava. Está há mais de 10 anos com a vida condicionada”.

Disse também que Manuel Pinho começou a dedicar-se à plantação de camélias e que contactou um especialista para o ajudar, que “chegou a atribuir o nome do dr. Manuel Pinho a uma camélia nova”.

Luís Braga da Cruz recordou que o BES tinha um acordo de mecenato com a Fundação Serralves, inserida num quadro pré-definido.

Sobre o papel da mulher de Manuel Pinho, Alexandra, como curadora da coleção de fotografia do BES, recordou que “era uma pessoa competente e cuja competência era reconhecida lá fora”.

“A arte contemporânea não é fácil, gera conflitualidade”, afirmou, salientando que Alexandra Pinho “tinha reconhecimento por parte da comunidade artística”.

Mulher de Ricardo Salgado: “Tinha um marido fantástico, hoje tenho um bebé grande para tratar”

A mulher de Ricardo Salgado testemunhou hoje em tribunal no âmbito do julgamento do caso EDP. Maria João Salgado relatou a atual situação de saúde do marido que padece da doença de Alzheimer.

“Estou casada há 60 anos, sou eu que vivo com ele, que melhor o conhece. Está doente, a doença tem progredido. O Ricardo tem dificuldade em fazer tudo sozinho”, começou por dizer a mulher do ex-presidente do Banco Espírito Santo (BES).

“Tenho de estar com ele para ir à casa de banho. Ele levanta-se durante a noite… tenho de ir acender a luz. Ele não tem independência nenhuma hoje em dia”, acrescentou no seu testemunho no Tribunal Central de Instrução Criminal, no Campus de Justiça em Lisboa.

A juíza deste processo, Ana Paula Rosa, recordou a Maria João Salgado que por ser esposa do marido tinha o direito de recusar a responder às questões, mas a testemunha quis prosseguir com o inquérito.

Disse ser amiga de Alexandra Pinho, a mulher de Manuel Pinho, ambos arguidos neste caso, e que conhecia Manuel Pinho por trabalhar com o seu marido no GES/BES e por se marido de Alexandra. Revelou que ambas partilhavam uma paixão: a fotografia.

Sobre Ricardo Salgado, a sua esposa disse que o arguido tem umas atividades com um professor de ginástica e um fisioterapeuta.

Ricardo Salgado consegue ficar sozinho a “ver televisão, sobretudo desporto e, muitas vezes, adormece”.

“À noite, a roupa tem de ser posta por mim, ajudá-lo a vestir-se. Não consegue escolher uma roupa. Às vezes, não sabe onde está, perde-se em casa”, relatou.

“Diz que lembra-se de certas pessoas, mas depois não tem nada a ver. Com os filhos, muitas vezes não se lembra do nome dos netos. Normalmente, esquece-se. Mistura os filhos com os oito netos”, acrescentou.

“Não acerta na idade, diz que tem uns 70 e tal. Isto acontece cada vez mais, desde que foi diagnosticada a doença. Já notava que andava muito devagarinho e levei-o ao médico muito antes de ser diagnosticada a doença de Alzheimer”, disse em tribunal.

Maria João Salgado afirmou: “A cuidadora dele sou eu e serei sempre, mas às vezes preciso de descansar, tenho recorrido a uma cuidadora para dormir lá em casa”.

E continuou: “Arranjei um quarto para ele [no piso térreo], o nosso quarto é no primeiro andar. Há uma escada e a casa de banho é perigosa. Ele às vezes fica lá em baixo.

“Tinha um marido fantástico, hoje em dia tenho um bebé grande para tratar”, concluiu.

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