O meu sogro morreu, ligaram-me há pouco, disse a São, vou ter de tratar do funeral, vou para a serra. A esta hora?, perguntou a Alexandra. A São atirou a mala ao chão, deixou-se cair no soalho e desatou a chorar. O telefone começou a tocar. A Alexandra atendeu, era o Almeida, a São não pode falar agora, disse ela, tente ligar-lhe amanhã, não, não, agora não pode, não insista. Desligou. Segundos depois, o telefone voltou a tocar. A Alexandra levantou o auscultador, desligou a chamada, e pousou-o fora do lugar. A Ana acordou com o barulho, ficando parada na porta, nervosa por ver a mãe a chorar sentada no soalho, de casaco vestido, junto à roupa que caiu da mala quando esta se abriu ao ser atirada ao chão. O Calvo agarrou a mão da Ana e levou-a para a cozinha, vamos fazer um chá, disse ele, mas qual? Camomila, hortelã, erva-cidreira? Todos parecem adequados à situação, creio, mas o que opina a menina Ana? A Alexandra sentou-se no chão ao lado da São, guardando uns minutos de silêncio. O Calvo, enquanto a água ia aquecendo, foi deitar a Ana. Regressou à cozinha e pouco depois entrou na sala com uma bandeja onde levava um bule, um açucareiro e duas chávenas. Pousou a bandeja na mesa de jantar e retirou-se. A Alexandra levantou-se e serviu a infusão. A São levou a chávena à boca, a tremer, pousando-a de seguida no pires, reclamando, está quente, não se consegue beber. Quando a São parou de chorar, a Alexandra disse uma daquelas banalidades que as situações deste género pedem, sabendo muito bem que as palavras adiantam pouco: é sempre difícil lidar com a morte de quem nos é próximo. A São interrompeu-a, de quem nos é próximo? Eu nunca gostei do homem, ainda bem que se foi, que arda no Inferno, mesmo depois de morto só dá trabalho, amanhã de manhã vou com a Ana à serra, vou ter de tratar do velório e do enterro e da herança, a casa que era dele passará a ser minha, não é grande coisa, mas é o que há.
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