“Impotência enorme”. Produtores de cortiça denunciam onda de roubos

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Notícia Renascença

19 ago, 2024 - 06:15 • Tomás Anjinho Chagas

Proprietários denunciam fenómeno "muito maior" do que em anos anteriores, com roubos nas árvores e nas pilhas de cortiça. GNR regista 268 ocorrências até agosto e fala num ligeiro aumento, mas produtores garantem que muitas vítimas não fazem queixa por causa de um processo "burocraticamente extenuante".

Os roubos de cortiça estão a atingir uma "dimensão maior" este ano e são levados a cabo por grupos armados e cada vez mais organizados, alerta a AFLOSOR - Associação de Produtores Agroflorestais da Região de Ponte Sor, no Alto Alentejo.

A Guarda Nacional Republicana (GNR) admite, à Renascença, um pequeno aumento do número de casos a nível nacional desde o início de 2024, mas muitos produtores já desistiram de apresentar queixa devido ao "extenuante" processo burocrático e à baixa perspetiva de recuperarem a cortiça furtada.

"Temos sentido que os roubos de cortiça estão a assumir uma dimensão muito maior do que em anos anteriores", garante à Renascença João Goes, presidente da AFLOSOR.

Os furtos desta matéria-prima são sobretudo feitos diretamente dos sobreiros, durante a noite, com os ladrões a fazer a tiragem da árvore, mas também há registo de roubos das pilhas de cortiça, depois de retirada e pronta para ser vendida.

O sentimento de frustração é grande, até porque num sobreiro adulto a cortiça é retirada de nove em nove anos.

Produtores relatam “violência” e falam em “dimensão muito maior”

O setor da cortiça bateu o recorde de exportações no ano passado, no valor de 1.232 milhões de euros, mas no terreno os produtores vivem com receio dos roubos que dizem estarem a aumentar.

A denúncia parte da AFLOSOR, que representa produtores da região de Ponte Sor, e dá conta de um aumento do fenómeno este ano. Os associados já sinalizaram sete roubos nesta zona desde abril, num prejuízo que supera os 11 mil euros.

Os dados enviados à Renascença mostram que destes lesados, nem todos reportaram o sucedido às autoridades. E por isso, os números oficiais podem estar a subdimensionar o problema.

O registo de um furto é uma coisa complicadíssima, burocraticamente é extenuante. Claro que isso impede as pessoas de fazer queixa, porque vão perder horas e horas, sabendo que o resultado é nulo”, desabafa João Goes, presidente da AFLOSOR.

A este problema, já de si difícil de comportar, junta-se o facto de os assaltantes roubarem agora a cortiça diretamente das árvores de qualquer idade, indiscriminadamente, o que torna ainda mais difícil a vigilância dos terrenos de montado de sobreiro, vastos quase sempre, uma vez que são culturas extensivas e dispersas.

João Goes acredita que os roubos da cortiça estão a tornar-se um negócio “cada vez mais organizado” e “cada vez roubam quantidades maiores”.

Além do prejuízo material, os produtores alertam para o perigo de confrontos entre os assaltantes e os proprietários.

“Os grupos organizados estão preparados para qualquer cenário. Se tivermos de os enfrentar, sabemos que eles estão armados”, avisa João Goes, que menciona o caso de um proprietário em Ponte Sor que teve de fugir depois de tentar impedir um furto.

“Estamos a atingir cenários de violência. Outro dia houve um produtor que teve de fugir dos bandidos porque lhe fizeram frente e as coisas estão muito preocupantes nesse campo também”, denuncia, apesar de reconhecer que ainda não tenha havido nenhum “drama enorme”.

“Estamos a lidar com pessoas muito profissionalizadas”, sintetiza.

A AFLOSOR reconhece que há vontade de mitigar este problema por parte das autoridades, mas critica a inação e a forma como ainda são utilizados métodos de combate ao crime que se estão a tornar ineficazes com o tempo.

"Estamos a atingir cenários de violência. Outro dia houve um produtor que teve de fugir dos bandidos porque lhe fizeram frente"

“Temos sentido que os roubos de cortiça estão a assumir dimensão muito maior do que o habitual, e notamos que não há resposta efetiva por parte das autoridades”, lamenta João Goes.

Esta associação de proprietários diz que, enquanto “não houver um novo paradigma”, vai ser difícil combater este crime. A AFLOSOR sugere “circuitos abertos” para denúncias rápidas que permitam detenções em flagrante e pede mais investigação aos intermediários que recepcionam a cortiça roubada e que “paulatinamente a inserem no mercado”.

Vítima diz-se “impotente”: vigiar e responsabilizar é difícil

Já fui roubado várias vezes. Chego ao campo e vejo que os sobreiros não têm a cortiça que deviam ter”, começa por explicar à Renascença Joaquim Bento, um dos lesados na região de Ponte Sor.

O produtor de cortiça nota um agravamento do problema e, embora diga que a perda deste ano foi uma quantidade “não muito significativa”, garante que as quantidades roubadas estão a aumentar.

Os roubos dão-se com árvores mais novas, o que torna “impossível” vigiar todos os sobreiros em todo o momento. E acrescenta: “mesmo se identificar alguém, é preciso a prova”.

Esse é dos maiores desafios, comprovar que um pedaço de cortiça é roubado. E até há quem procure mesmo confundir as autoridades: “Alguns receptadores misturam cortiça suja, de roubos, com cortiça limpa, legal”, explica este proprietário ribatejano.

Joaquim Bento conta que quando foi roubado, este ano, foi à GNR registar o furto, mas não tem qualquer expetativa de reaver o que perdeu. E resume: “a sensação de impotência começa a ser enorme”.

GNR reconhece que há quem não apresente queixa

Em resposta às perguntas da Renascença, a GNR revela que registou 268 furtos de cortiça até ao fim do mês de julho. O número revela um ligeiro aumento em relação ao período homólogo e é quase o mesmo do total de ocorrências em 2022.

Os distritos de Setúbal, Santarém, Portalegre, Castelo Branco, Évora e Bragança foram os mais afetados por este tipo de crime. Este ano, apesar do número de ocorrências, apenas três pessoas foram detidas até ao final de julho. Só no ano passado foram 45 e no ano anterior, 2022, 22 suspeitos.

Apesar do número não ser excessivamente alto, a GNR admite que “infelizmente ainda tem conhecimento de situações” em que as vítimas nunca chegam a apresentar queixa.

“Os furtos acontecem essencialmente em meio agrícola, durante o período noturno e quando o produto agrícola não se encontra bem acautelado”, explica o capitão João Romano, comandante do posto territorial da GNR em Santarém.

Na resposta por escrito à Renascença, a GNR vinca que é fundamental que os lesados apresentem queixa “para que os recursos existentes sejam empenhados segundo uma lógica de prioridades, após ponderação e análise dos vários critérios de decisão, sendo fundamental o conhecimento das ocorrências/situações que se vão verificando na zona de ação“, pode ler-se

A GNR confirma que os roubos acontecem tanto na árvore como em pilhas de cortiça, sendo que é diretamente do sobreiro que se têm registado mais furtos.

Como conselhos para evitar mais problemas ao longo do ano, a GNR incentiva os proprietários a instalar sistemas de vigilância, erguer vedações, colocar alarmes no caso de as pilhas estarem guardadas em armazém, melhorar a iluminação e denunciar sempre qualquer furto, por mais pequeno que seja.

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